Banquete: duele de egos à mesa.
No currículo de Daniela Thomas existem três grandes filmes brasileiros, Terra Estrangeira (1995), O Primeiro Dia (1998) e Linha de Passe (2008), os três são assinados junto com Walter Salles e tiveram grande repercussão dentro e fora do país. Em 2017 ela lançou seu primeiro longa de ficção, Vazante, sucesso de crítica no exterior, enfrentou críticas severas pela forma indiferente com que lidava com a questão da escravidão em meio à sua trama. Após a famosa sabatina no Festival de Brasília, Daniela saiu escaldada e isso deve ter dado corpo ao seu filme seguinte: O Banquete. Ambientado no final dos ano 1980, centrado em personagens de classe média alta e sem atores negros, não parece ser coincidência que o banquete seja servido em meio às críticas ao governo Collor e a famigerada "lei de imprensa", que tornava possível a prisão com base na publicação de artigos contrários ao governo. Esta alfinetada no histórico nacional de gosto pelo autoritarismo remete diretamente à fragilidade de uma democracia que se via recém instaurada e em risco desde sempre, além de carregar de tensão o encontro do grupo de amigos para celebrar os oito anos de casamento do jornalista Mauro (Rodrigo Bolzan) e da atriz Beatriz (Mariana Lima), no entanto, o que poderia ser um simples encontro de amigos se torna um verdadeiro massacre verbal. Promovido no apartamento de Nora (Drica Moraes), assim que a primeira convidada aparece, Maria (Fabiana Gugli), ela percebe que aquele é o cenário de uma armadilha. Ela está certíssima. Acompanhada de Lucky (Gustavo Machado), ela é meio que forçada a continuar por ali, enquanto ele começa a assediar o garçom do banquete (Chay Suede). O marido de nora (Caco Ciocler) já está visivelmente bêbado antes de tomar a primeira taça de vinho e não parece muito consciente da fúria da esposa em imaginar que a qualquer momento a polícia pode bater à porta para prendê-lo por conta de uma carta aberta publicada com o aval de Mauro. Várias taças de vinho depois, a "elite" apresentada se deleita em diálogos que vão de pênis e vaginas à filosofia e, às vezes, o cenário da política nacional. Revelações de alcova são ditas, confrontadas e as intrigas fermentam como se fossem ingredientes de um prato que fica melhor quando consumido frio. Haja estômago do espectador para ver personagens que pretendem salvar o país expondo se agredindo durante toda a duração do filme. É um filme bem filmado, mas feito para ser desagradável aos ouvidos pelo jogo de ofensas que é proposto, faltou apenas fazer o espectador se importar com aquelas pessoas. O que se vê à mesa é apenas o ego de uns inflando enquanto faz o do outro convidado murchar, numa guerra de miudezas humanas enquanto o país tenta não afundar (e a última frase de Nora retrata toda ironia da situação). Concebido para ser uma peça de teatro, Daniela Thomas demorou vinte anos para conseguir levar o projeto para as telas. Reuniu um elenco de fôlego para bancar a metralhadora verbal com longos takes e ambientou toda a discussão em um apartamento sombrio, com uma parede espelhada envelhecida, figurinos escuros, vinhos e comida afrodisíaca. Se o efeito deveria ser de uma bomba prestes a explodir, a verdade é que ela oscila bastante no tom e na atmosfera que sofre com a repetição de sua matéria-prima. Vale muito pelo elenco (especialmente Mariana, Fabiana e Drica, nesta ordem), mas no fim das contas parece um grupo de pessoas que bebeu demais e no dia seguinte, no meio da ressaca, irá se perguntar sobre o que aconteceu no meio do café amargo. Acho que só o garçom irá lembrar de toda aquela baixaria.
O Banquete (Brasil/2018) de Daniela Thomas com Drica Moraes, Mariana Lima, Caco Ciocler, Rodrigo Bolzan, Fabiana Gugli, Chay Suede, Gustavo Machado, Bruna Linzmeyer e Georgette Fadel. ☻☻
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