Os garotos: a sujeira debaixo do tapete.
Em cartaz na Netflix, o italiano Garotos de Bem é um dos filmes mais incômodos que já assisti. Eu já imaginava isso, já que o filme é baseado em um crime real acontecido entre os dias 29 e 30 de setembro de 1975 que ficou conhecido como Massacre de Circeo. O crime gerou tanta polêmica na Itália que alterou a legislação penal do país após um longo debate que só foi concluído em 1996. A história desta atrocidade é contada no livro La Scuola Cattolica de Edoardo Albinati que ganhou esta versão cinematográfica pelas mãos de Stefano Mordini. Os protagonistas do filme são os jovens alunos de uma renomada escola católica de classe média na Itália. A escola só para garotos é vista como sinal de status e opção para deixar os jovens fora dos perigos das ruas (embora muitos tenham aspiração neofascista). O narrador do filme deixa claro que debaixo de tanta repressão, existe um bocado de inconveniências que são abafadas. Entre as diversas situações que aparecem envolvendo os personagens do filme, fica a impressão que o roteiro não gasta tempo desenvolvendo a personalidade daqueles personagens, deixando todos muitos parecidos, seja em sua situação familiar, aparência física ou amoralidade. Existe aqui muito material que deixou de ser explorado (o estudante que fantasia usar sua espada de samurai na própria família, o rapaz que fica excitado ao ser açoitado por seus amigos, o colega que gasta o tempo sendo amante das mães ricaças da vizinhança, uma fala sobre fascismo aqui, uma fala relativista sobre religião ali...). A coisa piora quando os limites passam a ser ultrapassados de forma cada vez mais constante até que duas jovens são sequestradas por um trio de estudantes e o filme se torna insuportável nas cenas de maus tratos que são exibidas sem firulas. Ao menos o diretor Stefano Mordini sabe trabalhar com o poder da sugestão e deixa tudo ainda mais tenebroso com o uso de sons e maquiagem de suas atrizes, além da nudez de seu elenco masculino e feminino. Falando em nudez, achei bastante fetichista a forma como o filme explora os corpos de seus jovens atores masculinos, brancos e esguios. Existe um motivo para isso, a ideia da juventude, do corpo ainda em desenvolvimento, da masculinidade em desenvolvimento (ainda que seguindo o caminho mais tóxico e criminoso possível), deixando o erotismo para as cenas coletivas da escola e deixando a nudez para momentos que são apenas degradantes. Arrastado em alguns momentos, raso na apresentação dos personagens, o filme vale pela discussão que levanta em como crimes calcados em feminicídios obtinha uma interpretação estranha para a lei italiana e para isso, expõe a ferida de forma dolorosa diante da câmera.
Garotos de Bem (La Scuola Cattolica/ Itália - 2022) de Stefano Mordini com Leonardo Raggazzini, Benedetta Procaroli, Gulio Fochetti, Giulio Pranno, Alessandro Cantalini, Guido Quaglione, Valeria Golino e Valentina Cervi. ☻☻
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