Podemos dizer que a Hungria deu uma surtada quando selecionou para representar o país numa vaga ao Oscar de filme estrangeiro o esquisitíssimo Cabaré Biblioteca Pascal. Longe de mim dizer que o filme é ruim, já que em toda a sua estranheza o filme prende a atenção com suas maluquices, mas a Academia jamais o selecionaria entre os cinco integrantes da categoria. No entanto, se houvesse uma categoria para criatividade e ousadia, provavelmente o filme de Szabolcs Hajdu ganharia com louvores pelo cruzamento inusitado da atmosfera dos filmes de Pedro Almodóvar com David Lynch. Ao cineasta espanhol, o filme deve muito de sua dramaticidade que beira o exagero e ao americano, o filme herda o tom onírico que abraça o surrealismo sem pudores. A trama conta a história de Mona (Orsolya Török-Illyés) que vive pelas ruas da Hungria e que tem o desafio de convencer um assistente social de que tem condições de ficar com sua filha pequena após deixar um período com sua tia. Para tanto, ela precisa contar os acontecimentos que vivenciou nos últimos tempos e que explicariam seu distanciamento da menina por aquele período. Eis que Mona conta como conheceu o pai de sua filha, a forma como ela o perdeu, além do encontro derradeiro com seu pai - que sem maiores justificativas a entrega para a mercadores de escravas sexuais. Eis que ela chega no Cabaré do título. Localizado em Liverpool, os cultos cliente de luxo nutrem fantasias com personagens clássicos da literatura (que vão de Desdemona de Shakespeare, passando por Lolita e até Pinóquio). Trancafiada em seu quarto e tratada como objeto sexual, ela vivenciará um bizarro pesadelo enquanto aguarda ser livre novamente. Ao longo do filme, Szabolcs Hajdu faz questão de embaralhar realidades e fantasias sem deixar claro se o que Mona conta é verdade ou apenas um arremedo de histórias para comover o assistente social que está diante dela. Seja real ou imaginário, a história contada por ela, dá margem a várias leituras e analogias de sua conturbada trajetória. O resultado é instigante em toda sua mistura entre o colorido e o sombrio, lembrando em alguns momentos as colagens de gênero feitas pelo cineasta Leos Carax (Holy Motors/2012 e Annette/2021). Dado o conteúdo sexual (e o senso de humor um tanto irregular da produção), o filme não é para todos os gostos, mas quem se aventurar por esta produção poderá sentir-se até gratificado com a narrativa estranhamente envolvente.
Cabaré Biblioteca Pascal (Bibliothèque Pascal / Alemanha - Hungria - Romênia - Reino Unido) de Szabolcs Hajdu com Orsolya Török-Illyés, Oana Pellea, Razvan Vasilescu, Andi Vasluianu, Shamgar Amram e Orion Radies. ☻☻☻☻
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