Ana de Armas: atuação de respeito.
É preciso ter coragem para viver um ícone como Marilyn Monroe no cinema. Ao longo da história, muita gente bebeu na fonte da estrela , mas algumas atrizes tiveram o desafio ainda maior de interpretar a musa nas telas. Se Michelle Williams colheu elogios e até uma indicação ao Oscar por seu trabalho em Sete Dias Com Marilyn (2011), imagino o que o destino reservaria para Ana de Armas com sua atuação impressionante neste delírio cinebiográfico proposto pelo diretor Andrew Dominik se o filme não causasse tanta polêmica. O cineasta já apresentou anteriormente seu gosto por reimaginar figuras históricas, como vimos em O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (2007), que rendeu à Brad Pitt o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza e a primeira indicação ao Oscar de Casey Affleck. Eu adoraria ver a Academia reconhecer o esmero de Ana de Armas na construção da personagem deste devaneio inspirado no livro de Joyce Carol Oates. Para driblar um pouco as polêmicas, vale lembrar que obra de Oates é uma especulação sobre a vida de Marilyn, ou seja, trata-se do uso da imaginação da escritora sobre algumas situações conhecidas de sua vida. Estão presentes aqui as vezes em que ficou grávida, a mãe problemática, a identidade misteriosa do pai, seus casamentos com o atleta Joe DiMaggio (vivido por Bobby Cannavale) e com o dramaturgo Arthur Miller (um ótimo trabalho de Adrien Brody que nos faz lembrar como ele merece aparecer em mais filmes), mas o filme nem menciona o primeiro casamento com um policial antes da fama, mas oferece destaque ao affair com um certo presidente (que rende o momento mais bizarro do filme). Porém, o filme investe mais no conflito da atriz com uma espécie de dupla personalidade, entre o símbolo sexual cinematográfico e a insegurança da mulher que se escondia por trás de todo glamour, a Norma Jeane. Na verdade, Andrew Dominik prefere desconstruir o glamour na maioria das vezes, fazendo até com que sua estrela vomite na cara do espectador duas vezes. Esta desconstrução do mito é feita cheia de maneirismos, oscila entre vários tipos de fotografia, flerta com a fantasia, com o sonho, com o surreal, com o divino, o mundano, o brega e o soberbo. São tantos apetrechos ao longo de quase três horas de duração que fica até difícil captar a linha condutora da narrativa. Na maioria das vezes parece que o filme gosta de ver Marilyn comendo o pão que Mr. Z amassou. Tem estupro, aborto, violência doméstica, mãe abusiva, um trote de muito mal gosto que lá pelas tantas a plateia já começa a pescar. Nisso tudo, o cinema acabou ocupando pouco espaço, o roteiro não dá a mínima para o outro lado da estrela, aquela que se tornou a primeira estrela a conduzir sua carreira por conta própria, o pendor pela comédia, a vontade de ser respeitada feito atriz, estes aspectos acabam ficando nas entrelinhas das lágrimas de Ana de Armas, que carrega o filme com dignidade até quando parece não sobrar nenhum a durante a narrativa. Blonde é repetitivo, cansativo e um tanto arrastado, a sorte que tem uma atriz que merece cada vez mais o destaque que tem recebido em Hollywood.
Blonde (EUA-2022) de Andrew Dominik com Ana de Armas, Julianne Nicholson, Bobby Cannavale, Adrien Brody, Caspar Phillipson, Xavier Samuel e Evan Williams. ☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário