Pitanga: atuação de excelência.
Aproveitando para lembrar que de 1º a 7 de setembro teremos, aqui no blog, a sétima edição do Ciclo Verde e Amarelo - uma semana com postagens somente sobre filmes produzidos no Brasil. Como lembrete resolvi adiantar minha postagem sobre Casa de Antiguidades, filme pelo qual nutri uma grande curiosidade desde que ele foi selecionado para o Festival de Cannes em 2020, aquele que acabou cancelado pela pandemia. O primeiro longa-metragem de João Paulo Miranda (que foi premiado em Cannes como o curta A Moça que dançou com o Diabo em 2015) conta com Antônio Pitanga em um ótimo trabalho que lhe rendeu recentemente uma indicação ao Grande Prêmio Cinema Brasil de melhor ator. Aos oitenta anos, o ator recebeu um dos melhores papéis de sua carreira em um filme que é bem mais complexo do que pode parecer. Cristovam (Antonio Pitanga) é um homem introspectivo que consegue emprego em uma fábrica localizada em um local marcado pela colonização austríaca no Brasil. Nota-se que mais do que deslocado naquele ambiente de trabalho (que é apresentado com uma estética futurista incomum para o cinema brasileiro) ele também sente-se um tanto dissonante naquela localidade. Além de ter a cor da pele diferente dos demais habitantes, perpassa por ali um orgulho pelas origens europeias e um certo autoritarismo (repare nos discursos do patrão sempre que aparece em cena) que contamina os moradores da região que percebem na fábrica a razão do sustento da cidade. Cristovam acaba encontrando o acolhimento que lhe falta em uma casa abandonada, repleta de objetos antigos que despertam não apenas seu interesse como também remetem à suas origens. O roteiro não mastiga a relação do personagem com aquele lugar, mas deixa claro que existe uma identificação maior do personagem por aquele espaço do que por tudo o que está lá fora. Ao mesmo tempo, o mundo que está ao redor da casa torna-se cada vez mais hostil, algo que se torna ainda mais assustador quando envolve as atitudes das crianças ao longo da história (culminando até a cena final). O filme se arrisca em cores surrealistas quando o personagem começa a confundir o que é real e imaginário, deixando sua relação com os demais moradores cada vez mais complicada. O mais interessante é que o diretor João Paulo Miranda (que assina o roteiro ao lado de Felipe Sholl) consegue construir um universo que soa distópico em seu anacronismo, mesclando referências que bebem diretamente na história do Brasil, seja do período da ditadura, da industrialização, da escravidão, da colonização e até o Brasil folclórico por trás de tudo isso. Em alguns momentos o filme tropeça, curiosamente as cenas em que ele parece se apaixonar por uma mulher e precisa conviver com a filha dela, deixando que a pior face do personagem venha à tona sem maiores explicações (lhe dando contornos de um anti-herói). Casa de Antiguidades torna-se interessante ao fugir do óbvio, usando simbologias para falar sobre a identidade de seu protagonista como uma metáfora ao povo brasileiro, sua capacidade de pender para lá e para cá e o desconforto sobre o que se é e o que desejam que ele seja. Não por acaso o final é bastante pessimista e ressalta que o objetivo do filme é fazer pensar e, por isso mesmo, incomodar.
Casa de Antiguidades (Brasil/2020) de João Paulo Miranda com Antonio Pitanga, Ana Flavia Cavalcanti, San Louwyck, Soren Hellerup e Aline Marta Maria. ☻☻☻
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