segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

PL►Y: Doente de Mim Mesma

 
Kristine: autodestruição por atenção. 

Assim que conhecemos Signe (Kristine Kujath Thorp) e Thomas (Eirik Sæther) percebemos que há alguma coisa estranha naquele relacionamento. Isso se intensifica nos primeiros minutos de Doente de Mim Mesma e piora gradativamente até que explode em um dos roteiros mais absurdos dos últimos tempos. Signe e Thomas estão presos em um relacionamento tóxico marcado pela competição. Ela trabalho como barista enquanto ele começa a chamar atenção da mídia por seu trabalho como “artista”. A rotina entre os dois poderia seguir eternamente sem que percebessem a complexidade em que estão metidos, não fosse um dia em que Signe ajuda uma mulher que foi atacada por um cachorro e que busca auxílio no lugar em que ela trabalha. A atenção que Signe recebe naquele dia irá mudar sua vida para sempre. No início ela parece um tanto traumatizada com a situação, repete incansavelmente que sua ajuda foi fundamental para que a mulher sobrevivesse, mas dias depois está provocando um cachorro na rua para que ela seja a vítima da situação. Outro dia, em um jantar, alega que possui alergia a nozes para depois simular uma crise alérgica. No entanto, a atenção recebida dura pouco tempo e Signe precisa de mais, muito mais... com  a ajuda da Deep Web ela irá desenvolver um problema de pele que lhe renderá atenção do namorado, dos amigos, da mídia e até uma promissora carreira. Enquanto se desenvolve, o filme recorre ao tom de farsa, para depois enveredar por uma comédia obscura, até se tornar um verdadeiro body horror. Este é o primeiro longa-metragem de Kristoffer Borgli, que possui longa experiência em curtas e aqui prova uma capacidade impressionante de provocar a plateia sem perder o tom sulfúrico até seu desfecho. Não satisfeito com a trajetória de Signe (defendida com o vigor anestésico necessário por Kristine Kujath Thorp em performance totalmente diferente da vista em Ninjababy/2021 que também está em cartaz na MUBI), o diretor e roteirista ainda decora o filme com digressões baseadas nas fantasias de sua protagonista, que dão amostras dos rumos que a trama poderia tomar em algum multiverso perdido. A cadência das situações é apresentada sem pressa em uma montagem milimetricamente calculada que deixa o espectador até perdido diante dos rumos de sua personagem. Em determinados momentos não sabemos mais o que é efeito real de sua intoxicação e o que é feito para chamar atenção, até que a própria personagem percebe ter chegado ao seu limite físico e psicológico. Doente de Mim Mesma lembra um pouco o grego Piedade (2018) em seu ponto de partida (e percebi até uma alusão a ele quando comentam um crime que quase ofusca a repercussão em torno de Signe), mas a trajetória da personagem é desenvolvida de forma ainda mais radical como uma crônica mordaz sobre o vitimismo e culto à imagem (ainda que de forma invertida). O resultado é tão inquietante que até uma sugerida redenção soa postiça. 

Doente de Mim Mesma (Syk Pike / Noruega, Suécia, Dinamarca, França - 2022) de Kristoffer Brogli com Kristine Kujath Thorp, Eirik Sæther, Fanny Vaager, Ingrid Vollan, Henrik Mestad, Frida Natland e Anders Danielsen Lie. ☻☻☻☻

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