Elordi e Keoghan: o talentoso Ripley do século XXI. |
Oliver Quick (Barry Keoghan) é um estudante bolsista da renomada universidade de Oxford. Diante de tantos alunos com berço de ouro, ele logo tem suas origens humildes reconhecidas, já que suas roupas e sapatos baratos são reconhecidos a todo instante. No meio de tantos alunos esnobes, ele conhece Felix (Jacob Elordi), um rapaz de origem aristocrática do qual Oliver se aproxima cada vez mais, ao ponto de ser convidado ao final do semestre para passar uma temporada em Saltburn, uma mansão da família. Oliver então conhece a família do amigo, o pai Sir James Catton (Richard E. Grant) com seu jeito de que nunca precisou se preocupar com nada importante, a mãe Elspeth Catton (Rosamund Pike) que era modelo e conhecia os astros do britpop dos anos 1990 antes de se casar e ter filhos, além da irmã Venetia (Alison Oliver) que sofre de inseguranças e distúrbios alimentares. A família é rodeada de luxo e conforto, mas é apresentada com uma superficialidade que não consegue se dissipar nem quando fingem se importar com seus convidados que são tragados para dentro desse universo, entre eles o insuportável Farleigh (Archie Madekwe), a perdida Pamela (Carey Mulligan num papel pequeno e marcante) e o próprio Oliver. A diferença é que Oliver sabe exatamente qual é o seu papel nesse circo e, por isso mesmo, sabe como construir narrativas em torno de si para criar brechas e ter o que realmente quer. De início, pensamos que o que ele quer é o próprio Oliver, mas conforme a trama avança, percebemos que ele quer muito mais. Lançado no Festival de Veneza o novo filme de Emerald Fennell dividiu opiniões, muitos apontaram suas semelhanças com O Talentoso Ripley (1999), sobretudo sobre a forma como sobrepõe o peso dos estigmas da pobreza e da homossexualidade sobre seu protagonista, além de sua conversão ao crime, mas Saltburn é mais do que isso. Fennell já demonstrou que enxerga fora da caixinha em seu filme de estreia, Bela Vingança (2020), que a colocou no seleto clube de cineastas mulheres indicadas ao Oscar de Direção e lhe rendeu o Oscar de Roteiro Original. Aqui ela não faz diferente e solta ainda mais as rédeas na construção de um personagem controverso ao se cegar por seus objetivos. Oliver é um personagem interessante, mas na interpretação de Barry Keoghan se torna fascinante. Em seus primeiros filmes, o jovem ator irlandês já demonstrava ser um talento, mas a cada filme ele se torna melhor. Basta ver a forma como ele personifica as mudanças de seu personagem, convence como o menino tímido e excluído, para depois se converter numa espécie de predador calculista que percebe os limites como algo a ser superado e nunca algo digno de retroceder. Certa vez li em uma entrevista que sua maior inspiração na construção de personagens ocorre ao observar o comportamento dos bichos, para compor Oliver ele deve ter se inspirado em um animal selvagem. As conotações sexuais que o roteiro lhe oferece são devoradas numa ousadia atrás da outra que, se não fosse a direção de de Fennell e o trabalho do ator poderia cair claramente no ridículo. É verdade que após a primeira hora o filme dá uma desequilibrada em sua atmosfera meticulosa e sofre um pouco para conseguir voltar aos trilhos, mas Fennel compõe o filme com tantos detalhes que fica difícil não curtir. Cenas como a festa cheia de Henrys, o olho do porco no espeto (sendo girado por um homem com máscara de porco), a música dos Pet Shop Boys escolhida no karaokê e as toneladas de fetiches apresentados, o tema da festa... garantem ao filme um alicerce que o mantém de pé até o final (que comprova que Barry Keoghan é um dos atores mais desinibidos em atividade). Parece que só tem Barry no filme, mas os demais membros do elenco também estão ótimos em cena, sobretudo Rosamund Pike como a matriarca que você nunca sabe exatamente o que se passa na cabeça dela (se é que existe algo lá dentro). Saltburn termina com sabor de delírio, um delírio safado e sem escrúpulos.
Saltburn (EUA - Reino Unido / 2023) de Emerald Fennell com Barry Keoghan, Jacob Elordi, Rosamund Pike, Richard E. Grant, Archie Madekwe, Alison Oliver, Ewan Mitchell e Carey Mulligan. ☻☻☻☻
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