Friedel: o diretor vizinho de Auschwitz. |
O campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, era visto durante a Segunda Guerra Mundial como um verdadeiro exemplo em como exterminar um milhão e meio de pessoas. O que o tempo provou ser um exemplo do horror do Holocausto, no período era celebrado como um marco de eficiência e inovação. Estas características arrepiantes se devem ao diretor local, Rudolf Höss. Höss morava ao lado do campo de extermínio com sua esposa e filhos, numa casa confortável com jardim paisagístico, horta, piscina, estufa e tudo o mais que a família sempre havia sonhado para ver seus filhos crescerem. No entanto, obviamente, a rotina da família era perpassada pelos odores dos crematórios, tiros, gritos e demais horrores que já vimos em diversos filmes sobre o tema. O escritor Martin Amis imaginou as camadas desse cotidiano em seu livro Zona de Interesse que ganhou uma adaptação no ano passado pelas mãos de Jonathan Glazer, diretor nascido na Inglaterra em uma família judaica. Glazer altera a estrutura do livro para chegar ao que ela possui de mais incômodo: como a família Höss poderia viver na comodidade do lar ao lado das atrocidades praticadas do outro lado do muro? Assim, quando vemos o cotidiano daquela família na tela, com as crianças brincando, as visitas conversando trivialidades, os banhos de piscina e os cuidados com o jardim, o que habita nosso imaginário é tudo o que ocorre próximo dali. O filme, assim como o livro, constrói então uma analogia perfeita sobre a banalização do mal. Obviamente que a família Höss tinha uma particularidade nisso tudo, já que as atrocidades eram marcas para a eficiência de um homem que foi nomeado para transformar um antigo quartel polonês em um campo de extermínio, no entanto, o longa ilustra mais uma vez como tudo aquilo ocorreu devido a adesão de pessoas comuns que compraram o discurso de ódio propagado por führer e seu partido. Jogando isso para os dias atuais é triste perceber como o mecanismo de discurso e convencimento ainda dá sinais de eficiência. Glazer executa o filme com rigor absoluto, misturando situações triviais com detalhes que só ressaltam o horror ao redor da família, dos serviçais que conviviam com a tensão daquele período, das discussões sobre como matar com mais eficiência e até uma visitante que se dá conta do pesadelo que ronda a família. Os desatentos poderão até pensar que em Zona de Interesse nada acontece, quando na verdade, a alma do filme reside justamente nesta sensação de que a vida de algumas pessoas seguia normalmente enquanto um massacre. Neste ponto vale destacar as atuações de Christian Friedel (como Rudolf Höss) e Sandra Hüller (no papel de sua esposa, Hedwig), que constroem personagens que querem apenas manter o patamar de conforto que conquistaram. Glazer coloca sobre eles a sua lente e amplia sutilmente a alma desses personagens, mas encontra dificuldades para arrematar o filme, embora aquela cena em que Höss olha para a câmera e seu legado é apresentado ao espectador se torna um dos cortes mais incômodos da história do cinema. Zona de Interesse ganhou o Grande Prêmio do Júri e foi premiado com os Oscars de Melhor Filme Internacional e Melhor Som, concorreu ainda roteiro adaptado, melhor filme e direção. Porém, o discurso de agradecimento de Glazer no Oscar virou alvo de polêmicas sobre os conflitos envolvendo Israel. Glazer começou sua carreira no cinema em 2000 com Sexy Beast, prosseguiu com Reencarnação (2004) e Sob a Pele (2013), seus filmes costumam dividir opiniões e ganharem admiração ao longo do tempo. Talvez ele aguarde a plateia digerir suas ideias e demore tanto para lançar uma produção. Dez filmes separam seu penúltimo filme de Zona de Interesse, seu longa mais aclamado e premiado, talvez por estar em plena sintonia com o mundo que vemos agora. Mesmo que seu discurso de agradecimento tenha gerado polêmicas, ele revela o espírito do diretor que não pensa em agradar, mas incomodar.
Zona de Interesse (The Zone of Interest / EUA - Reino Unido - Polônia / 2023) de Jonathan Glazer com Christian Friedel, Sandra Hüller, Johann Karthaus, Luis Noah Witte, Lilli Falk, Medusa Knopf, Max Beck e Julia Babiarz. ☻☻☻☻
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