Sharon e Michael: quebrando paradigmas.
De vem em quando me deparo com as reprises de Instinto Selvagem na TV e confesso que nunca consegui assistir ao filme por inteiro desde o seu lançamento. Chega a ser interessante como, ainda sendo um filme incandescente, existe um bocado de elementos cafonas no filme que ajudam a compor sua atmosfera de suspense sexy (ou thriller erótico, gênero que virou febre depois dele). Prova de que sua mistura funciona é que a continuação tardia, quis ser mais elegante e tornou-se um grande fracasso. O primeiro Instinto Selvagem criou grande alvoroço pelas cenas tórridas de sexo, defendidas por um elenco que se atraca com a mesma facilidade com que outros atores lacrimejam. Mais curioso ainda é imaginar que a protagonista Catherine Tremell foi um dos papéis mais rejeitados da década de 1990, oferecido anteriormente às louras consagradas do porte de Kim Basinger e Michelle Pfeiffer, mas nenhuma delas viu que uma escritora bissexual suspeita de assassinato poderia ter efeito positivo em suas carreiras. O papel acabou ficando com a então desconhecida Sharon Stone, que incorporou o papel de Catherine com unhas e dentes, construindo algumas das cenas mais marcantes do final do século XX. Seu par, Michael Douglas, que vive o detetive Nick Curran, estava mais preocupado em apresentar boa forma aos 52 anos (e aproveitar o efeito de todo marketing que seu conhecido vício em sexo poderia gerar para o filme). O diretor Paul Verhoeven, ancorado pelo roteiro de Joe Eszterhas, flerta o tempo inteiro com o universo trash. A cena de abertura é uma cena de sexo que termina em morte (e adicionando um picador de gelo ao imaginário erótico da década de 1990), a cena mais falada do filme é uma reveladora cruzada de pernas e todas as mulheres são suspeitas de ser a tal assassina misteriosa (tornando todas as cenas de sexo em assassinatos iminentes). No entanto, o foco da câmera é a química erotizante entre Sharon e Michael em personagens ambíguos. Ela é a suspeita sociopata que curte brincar com o psicológico de quem cruza o seu caminho, ele é o policial com pendências complicadas e que está disposto a correr o risco de morrer pela loura sedutora. Entre os dois tem um bando de policiais babões (desprovidos de diálogos inteligentes) e uma psicóloga com cara de boazinha, louca por Nick e estressada até o último fio de cabelo (Jeanne Triplehorn). O mérito de Instinto Selvagem foi mandar às favas o conservadorismo americano, com nudez, sexo, bissexualismo, gays, lésbicas, drogas num jogo doentio movido entre Catherine e o próprio espectador. Como resistir ao olhar predatório de Catherine sempre que avista sua presa? Pela atuação Sharon foi alçada ao posto de estrela e indicada ao Globo de Ouro de atriz dramática, e poderia ter figurado no Oscar pela forma como devora uma personagem bem diferente dos pequenos papéis bobos que fizera até então. Bela e talentosa, Hollywood usou sua sexualidade ao máximo, mas quando a atriz quis ser algo mais (motivada pela indicação ao Oscar de atriz por Cassino/1995), passou a ser ignorada pelos estúdios. Ela tentou voltar ao topo com Instinto Selvagem 2 (2006), mas seu esforço foi inútil. Dirigido pelo irregular Michael Caton-Jones, o filme pode até funcionar como suspense, mas está longe de honrar o rebuliço que o original causou em 1992. Orquestrado como um filme independente do anterior, o filme resgata Catherine como suspeita de assassinato e seu passado a condena mais do que a do policial que cuida do caso, o aparentemente certinho Michael Glass (David Morrissey). As cenas de sexo são comportadas, as reviravoltas um tanto sem sentido e o casal não tem a química necessária - embora Sharon interprete Catherine com a mesma desenvoltura de vinte e quatro anos atrás. Enquanto Instinto Selvagem marcou época com sua ousadia kitsch, sua sequência foi destinada ao esquecimento (e a carreira da estrela por pouco não foi pelo mesmo caminho). A carreira de Stone concentra-se atualmente em filmes de pequeno orçamento sem grande projeção - e em breve ela tentará a sorte na televisão. De vez em quando o filme volta à pauta da atriz em entrevistas em que revela detalhes como não saber que sua antológica cruzada de pernas seria filmada (e mostrada) daquele jeito - ou seja, o filme de Paul Verhoeven ainda se tornou folclórico.
Instinto Selvagem 2: destinado ao esquecimento.
Instinto Selvagem (Basic Instinct - EUA/1992) de Paul Verhoeven com Michael Douglas, Sharon Stone, Jeanne Tripplehorn, Stephen Tobolowksy e Wayne Knight. ☻☻☻
Instinto Selvagem II (Basic Instinct II - EUA/2006) de Michael Caton-Jones com Sharon Stone, David Morrissey, David Thewlis, Hugh Dancy e Charlotte Rampling. ☻
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