Murray e Scarlett: a sintonia de dois perdidos.
Até protagonizar Encontros e Desencontros, segundo filme de Sofia Coppola na direção, Bill Murray estava um tanto deslocado em Hollywood. Sua carreira perdera fôlego na década de 1990 e vivia de pequenas participações em filmes aquém do seu talento. Foi quando Wes Anderson integrou o ator à sua patota em Três é Demais (1998) que as pessoas lembraram o quanto ele podia ser magnético numa comédia. No entanto, a filha de Francis Ford Coppola queria mais e o escalou para viver o ator quase aposentado Bob Harris - que com os filmes rareando em sua carreira, passa o tempo fazendo comerciais e discutindo qual tapete sua esposa deve escolher para decorar a casa. Quando chega à Tokyo para fazer outro comercial de bebida, Bob parece já ter se acostumado a não estar no mundo, apenas encostado nele. Situação parecida é a vivida pela jovem Charlotte (Scarlett Johansson), que recém-formada em Filosofia, visita o Japão enquanto marido fotógrafo precisa fazer algumas fotos sobre a promoção de um filme no país. A sintonia entre Bob e Charlotte é imediata, afinal, além de estrangeiros numa cultura diferente, ainda percebem um abismo crescente entre a vida que levam e a de seus respectivos cônjuges... sorte que narrar um caso de adultério entre um homem mais velho e uma garota mais nova está longe de ser o foco do filme. Preocupada em expressar os sentimentos dos personagens com olhares e situações cômicas e dramáticas, Sofia Coppola tece a relação de seu casal protagonista de forma única. É evidente que o bem estar causado em um pelo outro sofre com o peso de todas as responsabilidades e diferenças que assumiram no decorrer de suas vidas paralelas, ao mesmo tempo que o roteiro torna o desarranjo físico causado pelo fuso-horário um tanto emocional pela afeição crescente entre os personagens banhados na solidão vivida na viagem. Por se distanciarem aos poucos da comédia e se aproximarem do drama, Bill e Scarlett foram indicados a muitos prêmios por suas atuações sutis, mas enquanto Bill recebia sua primeira indicação ao Oscar (ele perdeu, mas se tornou cult depois disso), Scarlett dava o primeiro passo para se tornar uma das atrizes mais cobiçadas de Hollywood. Sofia Coppola levou para casa o Oscar pelo roteiro original e tornou-se a primeira cineasta americana a ser indicada na categoria de Melhor Direção no Oscar, mas o efeito do filme em sua carreira foi muito maior. Depois de viver à sombra do pai e atravessar crises existenciais (que inspirou os dilemas dos personagens do filme), Sofia mostra aqui que tem voz própria, embora ela tenha se tornado mais diluída nos seus filmes seguintes. A estética do filme também impressiona, com a bela luz que lança sobre a cidade e aquele segredo que seus personagens evitam compartilhar com a plateia na cena mais memorável do filme. Vale dizer que dez anos depois de seu lançamento nos cinemas, Lost In Translation melhora a cada vez que assisto.
Encontros e Desencontros (Lost in Translation/EUA-Japão/2003) de Sofia Coppola com Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi e Catherine Lambert. ☻☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário