sexta-feira, 22 de junho de 2018

Na Tela: Hereditário

Wolff, Byrne, Toni e Milly: segredos de família.

Ouvi alguns críticos dizendo que passaram mal diante de Hereditário, longa de estreia de Ari Aster sobre uma família cheia de segredos revelados após o enterro da vovó. Durante o funeral não existem lágrimas, apenas o discurso um tanto ressentido de Annie (Toni Collette, num trabalho espetacular), a filha da falecida que já deixa claro que a mãe não era uma pessoa fácil. A serenidade de Steve (Gabriel Byrne) não revela incômodo com a perda da sogra, o filho adolescente, Peter (Alex Wolff, o irmão melhor ator de Natt Wolff do recente Death Note/2017) está zero comovido com o falecimento, restando apenas à caçula, Charlie (Milly Shapiro) lamentar a perda. Não demora muito para perceber que Charlie é uma menina estranha. Com conversas e gosto um tanto mórbido, ela ainda tem a mania de fazer um barulho que irá marcar os ouvidos de quem se aventurar pelo filme. Há algo de sombrio no ar desde que a casa é apresentada como uma das miniaturas criadas por Annie (Toni Collette), como se todos fossem pequenos diante de algo muito maior e frágeis perante o que irá devastá-los para sempre. Annie mal se recupera de uma perda e outra tragédia acontece, mas dessa vez existe muito choro e o abalo definitivo na relação entre mãe e filho, restando a Steve a desconfortável tarefa de tentar manter algum equilíbrio naquela casa. Diálogos ásperos surgem alimentados por revelações e ressentimentos que só pioram quando o passado da vovó começa a se revelar no roteiro (do próprio diretor) que mistura drama familiar com horror sobrenatural (e Aster ainda alimenta o folclore  em torno do filme afirmando que se inspirou em sua família para criar a história). O cineasta alcança um resultado que cresce gradativamente em angústia, mas não vale revelar muito sob o risco de de estragar a experiência. O tom é pausado, a atmosfera é de pesadelo e a fotografia faz questão de sublimar cada susto desconfortável que o filme constrói - especialmente com a ajuda de Toni Collette que está magnífica em cena. Ela constrói uma mulher cada vez mais desesperada com o peso de pagar pelas dívidas da mãe - o pior é que a dívida inclui toda a família. Alex Wolff também está bastante convincente e o veterano Gabriel Byrne está discreto, mas na medida para alguém que descobre ter se metido numa relação familiar complicada, mas o outro grande destaque do filme fica mesmo por conta de Milly Shapiro que cria uma menina arrepiante sem precisar fazer muita coisa em cena. Se você ficar desconfortável no meio do filme, você nem imagina o que acontece no final imprevisível, onde o drama cede lugar ao horror de sua estranheza sinistra - que rende comparações do filme aos clássicos O Exorcista (1973), O Bebê de Rosemary (1968) e o recente A Bruxa (2016). Ari Aster demonstra talento de veterano, especialmente lapidado nos seus curtas que chegaram a gerar polêmica por conta de explorar histórias familiares estranhas, mesmo sem apelar para o sobrenatural. O diabólico Hereditário já é considerado o melhor terror do ano, lugar que antes era ocupado por Um Lugar Silencioso e que ainda pode ser ocupado por Mandy (longa de Panos Cosmatos a ser lançado no segundo semestre). Como podemos perceber, 2018 confirma que os filmes de terror voltaram a ficar interessantes (e a campanha para Toni Collette concorrer ao Oscar está grande). 

Hereditário (Hereditary/EUA-2018) de Ari Aster com Toni Collette, Alex Wolff, Milly Shapiro, Ann Dowd, Morgan Lund e Jake Brown. ☻☻

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