domingo, 24 de junho de 2018

Na Tela: A Morte de Stalin

Buscemi e seus concorrentes: Ianucci ataca novamente.  

Armando Ianucci se tornou um especialista em sátiras políticas, mas nada que se compare à maioria das piadas rasteiras que invadem o Facebook. Para Ianucci, quando se trata de política, nada é sagrado, basta ver o que ele fez em Conversa Truncada (2009), onde mostra trocas de interesses políticos entre britânicos e americanos. Seu humor incomum lhe valeu uma indicação ao Oscar de melhor roteiro adaptado (já que o texto era inspirado num programa criado pelo próprio diretor), mas se muita gente estranhou seu estilo, a coisa mudou nos últimos anos, depois que ele criou a premiada série VEEP em 2012. Nas desventuras de uma vice-presidente americana que planeja formas de assumir a presidência (isso te lembra alguma coisa?), o humor de Ianucci se tornou mais popular, especialmente depois do resultado das eleições americanas. Se contarmos o filme de retrospectiva feito para TV em 2004 (carinhosamente chamada de 2004: The Stupid Version), este é o seu terceiro longa. Só que desta vez, o cineasta escocês mexe num verdadeiro vespeiro ao fazer graça com o que o título anuncia. Só que A Morte de Stalin recebeu elogios da crítica, principalmente pela forma como consegue alternar cenas assustadoras com o humor típico do diretor, assim, constrói uma obra inspirada em fatos reais, mas que consegue especificar onde está a dura realidade e a ficção no decorrer da narrativa. Durante o filme,  fica clara a devoção da população ao líder russo, assim como o medo que muitos tinham dele, também estão lá os poderosos que estavam em seu redor (mais preocupados em permanecerem na alta cúpula soviética do que propriamente com a população). O que se vê é um jogo de manobras políticas para ocupar o espaço deixado com a morte de Stalin,  ou seja, durante boa parte da história o que vemos é um grupo de homens e seus planos para ampliar o poder que possuem, ou pelo menos, mantê-lo (e perdê-lo pode significar a morte). Neste jogo vale tudo, silenciar o filho rebelde do falecido (Rupert Friend, numa atuação divertida) ou bajular a filha dele (Andrea Riseborough), criar uma confusão com os civis que gostariam de ir ao funeral, ameaçar uma pianista (Olga Kurylenko) que escreveu a última carta lida por Stalin, desconsiderar uma lista de execuções, lançar outra lista de execuções, salvar amigos, matar outros... Ianucci criou um roteiro bem mais complexo e sério (é verdade, acreditem) do que em suas obras anteriores, sempre destacando o quanto o poder pode cegar as pessoas - o que não depende de ideologias políticas, o cego é cegro e pronto (quer melhor exemplo do que Molotov vivido por Michael Palin?). O elenco é uma atração à parte, tendo Steve Buscemi como um escorregadio Nikita Krushchev, Jeffrey Tambor como um hesitante Georgy Malenkov e um inacreditável Simon Russell Beale como o esperto (mas nem tanto) Lavrenti Beria - para quem viu este senhor como o afetado Ferdinand Lyle da finada série Penny Dreadful fica até difícil reconhecê-lo. Com timing perfeito, ótima reconstituição de época e edição precisa, o filme sublima a mistura de política com um humor improvável, semelhante ao de uma câmera escondida. A Morte de Stalin não vai agradar todo mundo (e o que agrada?), mas quem perceber a crítica política presente ali, irá aproveitar muito mais - e antes que critiquem Ianucci por fazer graça com a esquerda, vale lembrar que em seu currículo ele já deixou claro que para ele nada é sagrado (seja direita, esquerda, centro, cima, em baixo, diagonal...). 

A Morte de Stalin (The Death of Stalin / França - Reino Unido - Bélgica - Canadá / 2017) de Armando Ianucci, com Steve Buscemi, Simon Russell Beale, Jeffrey Tambor, Andrea Riseborough, Rupert Friend, Michael Palin, Jason Isaacs, Olga Kurylenko e Paddy Considine.
 

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