domingo, 6 de outubro de 2019

Na Tela: Coringa

Joaquin: Why so Serious?

A Warner estava bastante preocupada com o resultado alcançado com o filme da Liga da Justiça (2017). Ao juntar os heróis mais famosos da DC Comics, a bilheteria ficou abaixo do esperado e de nada adiantou a repaginada de Joss Whedon (Vingadores/2012) no trabalho de Zach Snyder. No meio da confusão, o estúdio resolveu que não teria mais um universo integrado com os personagens da DC para rivalizar com a Marvel, mas produções independentes entre si. Foi no meio desta situação que o diretor Todd Phillips (Se Beber Não Case/2009) apresentou a ideia de criar um filme solo do grande inimigo do Batman, o Coringa. Mas deixou bem claro que o Homem-Morcego não apareceria no filme (na época era Ben Affleck que habitava a BatCaverna) e que Jared Leto (que encarnou o palhaço do crime no fiasco retalhado Esquadrão Suicida/2016) estaria bem longe do personagem. A ideia de Phillips era beber na estética dos filmes da década de '70, especialmente no universo de Martin Scorsese. Quando Joaquin Phoenix topou o desafio de encarnar o Coringa todo mundo percebeu que a coisa estava ficando séria... o que culminou com a exibição do filme no Festival de Veneza e os já lendários aplausos de oito minutos. Não bastasse os elogios, o filme levou o prêmio máximo do Festival, O Leão de Ouro de Melhor Filme. No entanto, as primeiras polêmicas começaram a aparecer, já que o filme rompe totalmente com o que se viu até hoje em filmes sobre histórias de super-heróis e seus inimigos, passa num universo em que os filmes da Marvel nem foram cogitados e que os últimos filmes da DC considerados sombrios pareçam produções infantis. Autoridades americanas ficaram atentas à estreia do filme com medo de tragédias acontecerem (e no atual barril de pólvora em que vive o Tio Sam, eu entendo completamente). Mas será que o filme merece mesmo tanta gente aflita? A resposta talvez esteja na narrativa realista e a mensagem subliminar de que a própria sociedade constrói seus vilões e, quando um deles surge disposto a riscar o fósforo num mundo doido para pegar fogo, o caos se instaura. Neste ponto, embora seja um filme que não tenha relação direta com nenhuma produção em que o personagem já tenha aparecido, o roteiro mistura várias referências sobre ele, seja dos quadrinhos ou do cinema. O filme conta a história de Arthur Fleck (Joaquin Phoenix digno de Oscar), sujeito instável que ganha a vida como palhaço de rua e mora com a mãe (Frances Conroy). Tudo leva a crer que Arthur tem vários problemas psicológicos, já teve uma passagem por sanatório, toma seis medicamentos, faz acompanhamento médico e até o final da sessão você irá perceber que ele não sabe discernir sobre o que é real (e este detalhe deve gerar várias dúvidas no expectador, mas faz parte da crença em torno do personagem ter sua origem seja sempre nebulosa). A jornada de Arthur é o inverso do que vemos na maioria dos filmes, ao invés de ser uma caminhada para sua purificação, acompanhamos sua jornada oposta, seu caminho é para a libertação para o que há de pior dentro dele. Gotham City e sua intolerância alimenta sua explosão sempre iminente e quando ele explode o mundo está disposto a seguir o mesmo caminho. Joaquin Phoenix está espetacular em cada momento do personagem, oferecendo camadas e nuances diferentes a cada novo gesto, cada olhar, cada risada descontrolada que tenta se inutilmente contida. Seu Coringa ganha uma ambientação perfeita numa Gotham que é o espelho da Nova York sombria dos anos 1970 embalada por uma trilha sonora sempre opressora e tonalidades sujas. Todd Phillips fez o dever de casa direitinho e criou um filme bastante incômodo, que bebe diretamente na fonte de Taxi Driver (1976) e O Rei da Comédia (1982) - e não por acaso Robert DeNiro (protagonista dos dois clássicos de Scorsese) é o coadjuvante com maior destaque no filme. Todo mal estar e suspeita que recai sobre o filme pode ser pela sensação de que aquela sociedade que vemos ali é a nossa - e somos todos um tanto culpados por ela ser do jeito que é. 

Coringa (Joker / EUA -2019) de Todd Phillips com Joaquin Phoenix, Robert DeNiro, Frances Conroy, Zazie Beetz, Brett Cullem, Leigh Gill e Bill Camp. ☻☻☻☻

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