Ali: refugiado como objeto de arte. |
Entre as surpresas do Oscar deste ano está a indicação do tunisiano O Homem que Vendeu Sua Pele que, em momento algum durante as especulações sobre os candidatos às cinco vagas da categoria de filme estrangeiro, foi cotado como um dos favoritos. O filme conta a história de Sam Ali (Yahya Mahayni), um refugiado da Guerra Civil da Síria que vende suas costas para que um artista renomado (Koen De Bouw) tatue nela sua mais controversa obra: um visto. Ironicamente com a tatuagem nas costas, Sam tem a permissão de cruzar o mundo enquanto uma obra-de-arte, mas precisa obedecer algumas regras: estar disponível para todas as exposições que forem necessárias, zelar pelas suas costas mais do que pela própria vida e até permitir que suas costas a obra seja vendida (e ele ganhará um terço do valor, além de ter a pele removida para o dono da obra após sua morte). Some isso à uma história de amor proibido com e você terá os elementos que fazem o longa da cineasta Kaouther Ben Hania desenvolver-se de forma bastante provocativa. As provocações existem a todo instante, desde o momento em que o artista explica sua obra, afinal, Sam enquanto ser humano não tem permissão para transitar legalmente entre os países que visita, mas a partir do momento que torna-se uma obra de arte, ele pode. Além disso, um sujeito marginalizado pelo sistema, logo torna-se valorizado não enquanto pessoa, mas enquanto... coisa. Obviamente que a obra chama atenção de organizações dos direitos humanos que entram em conflito com o artista que recebe cada vez mais projeção pela sua ideia, que pode até parecer uma denúncia, mas que funciona mais em seus interesses próprios do que qualquer outra coisa (e o próprio Sam não parece muito preocupado com "a causa"). Por outro lado, Sam passa de um sujeito apaixonado do início do filme para uma pessoa cada vez mais insatisfeita com sua objetificação, sua história, suas emoções, sua vida não importa para quem contempla suas costas, o que importa é a obra. Estigmas e preconceitos que recaem sobre ele permanecem, assim como seus dilemas pessoais se ampliam - algo que explode naquela cena em que assusta toda uma plateia de endinheirados. Infelizmente, depois deste acontecimento o filme caminha apressado para um desfecho um tanto fantasioso em nome de um final feliz que vai contra todo o tom dramaticamente satírico que apresenta ao longo de seus primeiros noventa minutos. O final pode não estragar o filme, mas reduz muito o impacto da obra que até então era provocativa. Embora seja baseado na história real de Tim Steiner (que exibe nas costas a obra do artista belga Win Delvoye - que foi vendida em 2008 por 50 mil euros ao colecionador de arte alemão Rik Reinking) a diretora Kaouther Ben Hania insere outro contexto para a história com romance e temáticas sociais, pena que faltou o pulso firme para criar um desfecho tão impactante como o longa merecia. A indicação além de prestigiar os méritos do filme, ainda incentiva a produção cinematográfica local que após a Revolução de Jasmin (2010-2011) iniciou uma nova fase no país e tem em Kaouther uma voz ativa no incentivo do cinema como forma de expressão, especialmente entre as mulheres do país.
O Homem que Vendeu sua Pele (The Man Who Sold His Skin / Tunísia - França - Bélgica - Alemanha - Suécia - Turquia / 2020) de Kaouther Ben Hania com Yahya Mahayni, Dea Liane, Monica Bellucci e Koen De Bouw. ☻☻☻☻
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