Olivia Colman: rainha tragicômica favorita.
A vida da rainha Anne da casa Stuart não foi fácil. Num tempo em que os reinos eram governados por homens, Anne assumiu o trono depois de uma sucessão de intrigas, deposições e interesses em sua família. Por ausência de herdeiros diretos, Anne chegou ao trono após a morte do esposo, George. Ela reinou de 1707 até 1714, não sendo uma das monarcas mais populares da Europa. Enfrentando problemas de saúde desde pequena, que hoje sabemos ser decorrência de uma dolorosa doença autoimune, a rainha engravidou dezessete vezes, mas sofreu com abortos, bebês natimortos e crianças que morreram antes de completar dois anos de idade. Durante seu reinado, quem se tornou ainda mais influente na corte foi sua melhor amiga, a duquesa de Marlborough, Sara Churchill, que afetava diretamente as decisões da monarca. Aparentemente foram as divergências políticas entre as duas que fizeram Sara se afastar da corte e ceder espaço para uma prima que ela mesmo recebeu para trablhar no castelo, Abigail. Abigail também teve sua dose de problemas, já que era nobre e perdeu tudo com o pai viciado em jogo. O peso desta história não parece o material ideal para se fazer graça, mas o diretor grego Yorgos Lanthimos não está nem aí para isso. Diretor do estranho Dente Canino (2009), do tragicômico O Lagosta (2015) e do macabro O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), esta é a primeira vez que Yorgos leva para a telona o texto de outros autores. É fácil entender o que atraiu o cineasta no texto de Deborah Davis e Tony McNamara, existem muitos elementos nesta história que se encaixam perfeitamente nos universos criados pelo diretor, embora seja inspirada em fatos reais e temperada com um humor mais agudo. Adepto de extrair atuações econômicas de seu elenco, Yorgos aqui transforma os exageros que o tom de comédia permite numa verdadeira provocação histórica. Oliva Colman (responsável por dar vida à Rainha Anne) e Rachel Weisz (que interpreta a astuta Lady Sara) já trabalharam com o diretor em O Lagosta e estão excelentes em todas as cenas. Junta-se a elas Emma Stone (na pele de Abigail), em seu primeiro papel no universo de Yorgos e desenvolvendo a personagem mais complexa de sua carreira. A sintonia entre as três é espetacular! Cada uma ao seu estilo, ajuda a contar um triângulo amoroso que flerta o tempo inteiro com o que há de mais sedutor e corruptível nas esferas do poder. A cada nova estratégia vemos Sara e Abigail se atacando pelo posto de favorita da Rainha, em contraposto, conhecemos um pouco mais de uma majestade fragilizada, carente e quase infantil.
Rachel Weisz e Emma Stone: duelo de interesses e atuações.
Embora seja a única do trio sem um Oscar na estante, Olivia Colman rouba a cena com uma atuação magnífica, sempre impregnada dos complicados sentimentos de sua personagem. Escalando notas da comédia e da tragédia em poucos segundos, sua performance é impressionante (tanto que foi eleita a melhor atriz do Festival de Veneza e levou para a casa o Globo de Ouro de Atriz de Comédia, além de estar cotada para o Oscar). Obviamente que existem licenças poéticas na história - como as danças exageradas, as brincadeiras frívolas e especialmente a presença dos dezessete coelhos nos aposentos da rainha (que nunca existiram na vida real, mas evocam com perfeição as ambiguidades vividas por aquela mulher), enfim, faz parte do estilo de um roteiro carregado de um humor negro primoroso - que por vezes disfarça sua graça na forma naturalista com que o diretor os conduz. Os cenários e figurinos são caprichados, densos, impregnados, por vezes até soturnos, falando muito mais sobre aquele ambiente do que os diálogos que não se esquivam de soar deliciosamente anacrônicos em alguns momentos (e ao lado das lentes que deformam as bordas da captura das imagens, tornam tudo mais surreal e delirante). Mesmo em seu tom jocoso (que lembra muito o Barry Lyndon/1975 de Kubrick), o filme sabe exatamente a hora de parar e infringir no espectador a tristeza que existe por ali. Entre um sentimento e outro, aparecem na pauta o destino de uma nação, a guerra, o aumento de impostos, os embates entre governo e oposição, num contexto que fricciona o tempo inteiro o pessoal e o universal. O resultado é um filme bastante diferente, ousado na abordagem de uma rainha que ninguém costuma lembrar (embora hoje os historiadores reconheçam que ela foi responsável por várias mudanças políticas que permanecem até hoje). Todos estes méritos fizeram de A Favorita um dos mais indicados ao Oscar deste ano com dez nomeações (filme, direção, atriz para Colman, atriz coadjuvante para Weisz e Stone, roteiro original, fotografia, design de produção, figurino e montagem), ainda que não leve nada, é uma das gratas surpresas dos últimos anos. Nasce um dos meus favoritos.
Weisz: de volta ao mundo estranho de Yorgos Lanthimos
A Favorita (The Favourite / Irlanda - Reino Unido - EUA / 2018) de Yorgos Lanthimos com Emma Stone, Olivia Colman, Rachel Weisz, Nicholas Hoult, Joe Alwyn e Mark Gatiss. ☻☻☻☻☻
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