Contar uma história sobre um período tão sombrio quanto à propagação da AIDS nos anos 1980 não é tarefa fácil. No cinema já vimos vários filmes sobre o assunto, mas quando se trata deste período no Brasil a coisa complica. Geralmente aparece como pano de fundo da biografia de algum artista como recentemente em Homem com H (2025). Em termos de televisão a coisa fica ainda mais restrita por aqui. A HBO já se aventurou por este território nos EUA várias vezes, seja com os telefilmes E A Vida Continua (1993) e Normal Heart (2014) ou com a genial minissérie Angels in America (2003), agora chegou a vez do canal abordar esta história em terras brasileiras com Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente, que após concluir a exibição semanal de seus cinco episódios dirigidos por Marcelo Gomes e Carol Minêm o programa está disponível na HBOMax. Baseado em um história real sobre comissários de bordo que contrabandearam AZT para o Brasil quando o medicamento ainda era proibido por aqui, a trama gira em torno principalmente de Nando (Johnny Massaro), um jovem comissário de bordo que escuta os comentários sobre a AIDS classificando-os como uma paranoia. Nando é gay assumido e colhe os frutos da revolução sexual e do amor livre das décadas passadas sem pestanejar. Ele é um retrato bastante crível de como a doença surgiu como um verdadeiro pesadelo rotulada pelo preconceito que a considerava uma "peste gay", termo impregnado de conotação moralista. Acontece, que como o roteiro ressalta muito bem, o rótulo serviu somente para atrasar a compreensão do que estava acontecendo enquanto homens e mulheres, homossexuais ou não começaram a se infectar e propagar a doença. Não é por acaso que Nando tinha um relacionamento clandestino com um jogador de futebol e uma das personagens se contaminou com o marido que mantinha um caso com uma mulher trans. A minissérie parece como uma amalgama de personagens que ilustram situações que se tornaram trágicas no período. No entanto, para além da doença, os soropositivos precisavam lidar com o preconceito seja de suas famílias, da política, da mídia ou de qualquer outra instância. O roteiro faz várias alusões a artistas que se infectaram com o vírus e precisavam ser discretos com relação a isso e no meio do caos. É neste cenário que Nando se envolve num esquema de contrabando de medicamentos para o Brasil, de início para beneficio próprio ao descobrir que contraiu o vírus, depois para ajudar outras pessoas que sofriam da mesma situação. Existem outras tramas no meio do caminho (especialmente envolvendo a Lea, a comissária de bordo vivida por Bruna Linzmeyer e melhor amiga de Nando), mas o motor do programa é a situação sufocante dos personagens perante a sensação de que a morte estava próxima e ninguém fazia nada para impedir. Embora considere que a minissérie faça um ótimo trabalho na construção da tensão vivida no período, em alguns momentos acho que ela erra pelo tom adotado que tornam situações um tanto festivas em demasia. Entendo que a comunidade LGBTQIAPN+ sempre curtiu baladas e tal, mas em alguns momentos soa um tanto forçado em cena, assim como alguns diálogos e estéticas que fazem mais sentido hoje do que naquele tempo. Em vários momentos o anacronismo grita, mas entendo que foi feito assim para dialogar melhor com o público atual. No fim das contas, a minissérie conta como o Brasil se tornou referência no que diz respeito ao tratamento e prevenção da AIDS no sistema de saúde pública. Afinal, a medicação que é alvo de tantos esquemas e polêmicas na série, passou a ser fornecido aos portadores de HIV através de ações governamentais. Máscaras de Oxigênio Não Cairão Automaticamente pode ter seus deslizes, mas é uma obra importante sobre um tema que merece ser mais lembrado entre nossas produções audiovisuais.
Máscaras de Oxigênio não Caírão Automaticamente (Brasil / 2025) de Marcelo Gomes e Carol Minêm, com Johnny Massaro, Ícaro Silva, Bruna Linzmeyer, Carla Ribas, Hermila Guedes, Kika Sena, Júlio Machado, Lucas Drummond e Sergio Menezes. ☻☻☻☻
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