Hanks e Abdi: quase um espelho.
Capitão Phillips é o tipo de filme em que preciso esperar passar todo o burburinho para assistir, já que debaixo de todos os elogios recebidos, minhas expectativas chegam às alturas e o maior prejudicado é o próprio filme que não é apreciado pelo que é, mas pelo o que os outros me fizeram acreditar que ele fosse. Depois de seu aclamado lançamento no Brasil ao final de 2013, passando pelas indicações a vários prêmios (incluindo Oscar e Globo de Ouro), Phillips chegou às locadoras exigindo todo o respeito que merecia. Devo concordar que merece mesmo. Contando a história real do navio Maersk Alabama (que em 2009 carregava alimentos para a Somália sob o comando do capitão Richard Phillips que foi sequestrado por piratas somalis), o cineasta Paul Greengrass acerta mais uma vez ao utilizar uma narrativa ultrarrealista para explorar aspectos que outros diretores poderiam deixar passar em branco. Greengrass foi esquecido em sua categoria no Oscar (onde o filme concorreu a seis estatuetas, incluindo melhor filme), mas o seu trabalho é o mais notável ao deixar a plateia com a respiração suspensa por suas duas horas de projeção. Além disso, as cenas da pirataria precária tomando toda a estrutura do navio capitaneado por Phillips é uma assustadora mostra do poder da violência. Os méritos do filme estão justamente nas estratégias de dois capitães e sua tripulação. Encarnado por Tom Hanks, Phillips surge menos como um herói e mais como um homem comum que precisa manter a calma numa situação limite, seja para o bem de sua tripulação ou dele mesmo. Ao mesmo tempo, ele tem um antagonista à altura vivido por Barkhad Abdi (único do elenco presente em todas as premiações e que quase levou o Oscar de coadjuvante para a casa). Abdi vive Muse, um somali recrutado para a pirataria sendo chamado de magrelo pelos seus companheiros. Graças a Abdi, Muse nem parece um vilão com os sentimentos que ficam estampados em seu rosto. Muse é o mais hesitante dos piratas, ao mesmo tempo que percebe que existe um jogo de estratégias a serem travadas na decisão de quem será o vencedor da disputa travada ali. Apesar de toda a ação, suspense e tensão, Capitão Phillips deve sua força à relação áspera de dois mundos que colidem, provocando o choque de seus personagens em defesa de ideologias que talvez nem lhes pertençam. As cenas iniciais evidenciam bem isso, seja por Phillips cansado das viagens e preocupado com os filhos que crescem distantes de seus olhos ou por Muse num ambiente miserável sem condições básicas de sobrevivência e que lhe serve de inspiração para que desrespeite o direito dos outros. Nas premiações, o filme ganhou a conotação de um conto de fadas ao evidenciar Abdi e toda sua história de superação na mídia, mas não se engane: ainda que sustentado por personagens antagônicos memoráveis, Capitão Phillips merece reconhecimento por evidenciar o encontro áspero entre dois mundos que parecem tão distintos, mas que se sustentam na mesma realidade sócio-política e econômica mundial, seja em suas riquezas ou mazelas.
Capitão Phillips (Captain Phillips/EUA-2013) de Paul Greengrass com Tom Hanks, Barkhad Abdi, Faysal Ahmed e Catherine Keener. ☻☻☻☻
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