Kerouac, Ginsberg, Burroughs (ao fundo) e Lucien: a gênese beat.
Daniel Radcliffe fez fama e fortuna como Harry Potter na adaptação da milionária série literária de criada por J.K. Rowling. Por dez anos, o menino cresceu diante das câmeras. Antes de viver o bruxinho, Radcliffe tinha onze anos e apenas dois filmes no currículo. Quando a saga terminou ele já estava com vinte um anos, além de carregar na bagagem grandes desconfianças sobre o seu talento como ator. Essa desconfiança cria um dilema em qualquer jovem ator (Daniel comentou que quando estava filmando a série refletia sobre o que a vida fora do personagem lhe reservava). Desde que os filmes (campeões de bilheteria) do pequeno feiticeiro chegaram aos fim, Daniel tem se dedicado a filmes que o distanciem do famoso personagem. Assim foi parar no terror A Mulher de Preto/2012, na série Diário de um Jovem Médico /2012-2013 (que tem se revelado o seu melhor trabalho) e outros três filmes (de sucesso modestíssimo) lançados no ano passado que o fizeram perceber algo que não se dera conta: quando se afasta do personagem que o consagrou, ao mesmo tempo, corre o risco de se distanciar dos fãs que conquistou na pele do mesmo personagem. Não que Radcliffe tenha que se preocupar com dinheiro, sua maior preocupação é manter a carreira. Auge desse processo de distanciamento de Harry Potter (e seus fãs) foi esse Versos de um Crime de John Krokidas, que foi exibido em alguns festivais de cinema independente com a proposta de mostrar a adolescência dos escritores que mudariam a literatura americana com o movimento beat. Trata-se do período em que os escritores Allen Ginsberg (Radcliffe), Jack Kerouac (Jack Huston) e William Burroughs (Ben Foster, perfeito) ainda cursavam a faculdade na década de 1940 e começavam a digerir as experiências que moldariam o estilo de escrita que os tornariam ídolos da chamada beat generation. É interessante a ideia de abordar os personagens na rigidez do espaço acadêmico para se contrapor ao discurso hedonista de espontaneidade e não conformidade com os padrões vigentes na época que construíram (anos depois o movimento seria até confundido com a cultura hippie). No entanto, o filme tem alguns problemas na hora de conduzir os desejos dos personagens, já que o roteiro mostra-se um tanto empolado. O protagonista é Allen (numa atuação correta de Radcliffe), um jovem tímido com receio de estar condenado a viver sob sombra do pai (o poeta Louis Ginsberg vivido por David Cross) e o fantasma da loucura da mãe (Jennifer Jason Leigh). Quando Allen é aprovado para estudar na renomada Universidade de Columbia, seus interesses pelos estudos é ofuscado pela atração que sente por Lucien Carr (Denis DeHaan), um jovem rico e iconoclasta que vive uma confusão amorosa com um homem mais velho chamado David Kammerer (Michael C. Hall). Lucien e David são amigos do esquisito William Burroughs (que é esperto demais para expressar empolgação com qualquer coisa que acontece durante o filme), mas é quando Kerouac aparece mais próximo de Lucien, que os amigos se metem em travessuras e crises de ciúme. Krokidas é muito esperto em tingir as relações dos jovens no filme com doses de homoerotismo, principalmente quando um crime acontece (e isso não é SPOILER já que o filme começa revelando isso) e ele é motivado pelo mesmo desejo que Allen tenta sufocar com tanto sacrifício (embora falte liga entre Daniel e Denis). No entanto, mais uma vez, falta uma contextualização vigorosa do período que motivou os personagens a construir seu estilo literário, no lugar disso temos um roteiro mediano embalado por uma edição muito ruim. Bastava acentuar os conflitos dos personagens com a ortodoxia do mundo acadêmico (o próprio título original "Mate seus ídolos" e alguns conflitos de Allen com um professor são aperitivos do que o filme poderia ter sido). Do jeito que aparece, a inspiração beat é motivada principalmente pelos anseios de um jovem riquinho, egocêntrico e antipático (vivido muito bem por DeHaan) capaz de inspirar escritores (muuuito) mais talentosos do que ele. O que salva a sessão é o elenco esforçado e cenas como de Allen encontrando a sua voz literária que ganharia os contornos magistrais em O Uivo, que lançado em 1956 se tornou uma das obras mais importantes da literatura americana. No entanto, a ideia de Versos de um Crime talvez seja de não ser mais do que um esboço do que seus personagens se tornariam nos anos seguintes. Se curtiu o filme eu recomendo ver James Franco na pele de Ginsberg no ótimo Uivo (2010)
Versos de Um Crime (Kill your Darlings/EUA-2013) de John Krokidas com Daniel Radcliffe, Denis DeHaan, Michael C. Hall, Ben Foster, Jack Huston, Jennifer Jason Leigh e ELizabeth Olsen. ☻☻
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