McConaughey, Cusack, Kidman e Efron: noir do avesso.
Obsessão é um filme que teve uma das trajetórias mais interessantes do cinema recente. Pra começar, o roteiro de Peter Dexter (baseado em seu controverso livro) andava de mão em mão entre os produtores de Hollywood. Lembro que no ano 2000 ele quase saiu do papel pelas mãos do espanhol Pedro Almodóvar - naquele que seria sua estreia no cinema americano. Ainda bem que Almodóvar pulou fora do projeto e o texto ficou esperando por Lee Daniels. Daniels ficou consagrado com Preciosa (2009), drama que era descaradamente exagerado e, por isso mesmo, tinha o sabor de uma fantasia virada do avesso. O prestígio serviu para que The Paperboy caísse em suas mãos e chamasse a atenção de atores renomados dispostos a embarcar numa produção que não pensa em criar um retrato bonito dos Estados Unidos. Esse detalhe é importante, já que o filme foi um dos mais aclamados quando foi exibido no Festival de Cannes em 2012 e quando foi lançado nos EUA, as críticas negativas se acumularam restringindo a atuação de Nicole Kidman ao páreo das premiações (mas sem fôlego para chegar ao Oscar). Apesar de Daniels utilizar a época em que se passa a trama (entre a década de 1960 e 1970) para decorar a narrativa com a tensão racial durante a luta pelos direitos civis, o diretor explora outras tensões que a história permite abordar (principalmente a sexual, seja juvenil, homossexual, interracial, fetichista...). Narrado pela empregada negra da família Jansen (viviva pela cantora Macy Grey), o filme conta a história do jornalista Ward (Matthew McConaughey) que volta à sua terra natal no sul dos EUA para polemizar a condenação de um homem à morte. Hillary Van Wetter (um soturno John Cusack) é acusado de matar o odiado xerife da cidade - que costumava instigar os crimes raciais na cidade - e quem lhe atribui inocência é Charlotte Bless (uma surpreendentemente vulgar Nicole Kidman - indicada co Globo de Ouro de coadjuvante), que satisfaz seu fetiche por foras da lei escrevendo cartas para prisioneiros. No entanto, Charlotte está apaixonada por Hillary, ao ponto de não notar que o cara vale menos que nada. Não demora muito para Ward e seu redator, Yardley (David Oyelowo) perceberem que não há uma gota de inocência em Hillary - mas o assunto promete dar projeção aos dois na mídia e por isso seguem com a matéria. Apesar do núcleo policialesco, o centro da narrativa é a atração do jovem Jack (Zac Efron) por Charlotte. Jack quase foi um nadador profissional, mas devido a alguns problemas de comportamento acabou se tornando entregador do pequeno jornal que seu pai (Scott Glenn) edita. Daniels brinca com o estilo noir para desconstruir a percepção da plateia sobre seus personagens, por isso, mesmo apelando para várias cenas de Jack sem camisa, ele mostra que debaixo de toda aquela musculatura também bate um coração (e verdade seja dita, Efron está muito bem num personagem de coração bom num mundo profano), assim como as toneladas de vulgaridade de Charlotte (que irá perceber a fria em que se meteu quando for tarde demais). O cineasta mergulha seus personagens num verdadeiro pântano de situações imprevisíveis (seja Jack recebendo banho de urina depois de ser atacado por águas-vivas ou a cena do orgasmo de Hillary e Charlotte na prisão - que é tão desconfortável quanto hilária, ao contrário da desagradável cena de Ward violado por vários homens num quarto de hotel). A medida que Daniels se afasta do que parecia ser o seu foco (o crime de Hillary), o filme busca fôlego no ar pesado das relações perigosas que se desenham entre os personagens até a tensão final. Obsessão não quer divertir a plateia com a orgia imagética de violência e humor grotesco, mas criar um retrato (em fotografia saturada) sujo e suado de uma época que costuma ficar esquecida na cinematografia americana.
Obsessão (The Paperboy/2012) de Lee Daniels com Zac Efron, Matthew McConaughey, Nicole Kidman, Scott Glenn e John Cusack. ☻☻☻☻
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