Revolução Canina: retrato húngaro de um mundo cão.
Da animação A Dama e o Vagabundo (1955) ao mexicano Amores Brutos (2000), os cães são frequentemente utilizados para metáfora sobre situações sociais. Enfim, o melhor amigo do homem serve para contar, de uma forma diferente, histórias sobre o próprio homem em sociedade. Infelizmente, poucas pessoas deverão ir ao cinema para ver esse filme húngaro que a acaba de entrar em cartaz. Ganhador do prêmio Un Certain Regard no Festival de Cannes, White God conta uma espécie de fábula urbana canina hardcore que torna-se ainda mais interessante quando percebemos sua analogia sobre os excluídos e marginalizados. A citação "tudo que é terrível precisa do nosso amor" do poeta alemão R.M. Rilke cai como uma luva para todas as dores que veremos durante as duas horas de filme. A trama começa quando a mãe de Lili (Zsófia Psotta) precisa viajar por três meses, durante esse período ela deixará a filha morando com o ex-marido sisudo, Dániel (Sándor Zsóter). Desde o primeiro encontro de Lili com o pai, percebemos que existe um abismo entre os dois - e o fato da menina levar Hagen, o fiel cachorro de estimação, para a temporada na casa do pai irá deixar tudo ainda mais delicado. Depois de alguns incidentes, Dániel considera insustentável a permanência do cão em seu apartamento e o abandona na rua. Esse apenas é um dos momentos que promete tirar lágrimas de quem gosta de animais, já que White God irá mostrar o encontro de Hagen com várias pessoas mal intencionadas. A saga da menina em busca do seu cão perdido fica em segundo plano, já que o filme se arrisca em contar a jornada de Hagen por um mundo cada vez mais sombrio. Se usar a história do cãozinho domesticado que se torna o líder de uma verdadeira gang pode soar um tanto batido, o que torna o filme único é o fato de tudo ser uma brilhante encenação construída pelo diretor Kornél Mundruczó - que conduz os caninos como verdadeiros atores diante das câmeras (e imagino como foi difícil). Após várias cenas desagradáveis com Hagen (vivido pelos talentosos Luke e Body - merecidamente premiados em Cannes com a tradicional Palm Dog), o roteiro conduz a trama para um verdadeiro filme de terror sobre violência urbana até o belíssimo desfecho. White God pode até exigir nervos de aço de sua plateia, mas o que mais me incomoda é a densidade dos personagens em sua primeira hora, todos desagradáveis e mal humorados, sei que essa era a ideia do diretor (assim como as ruas vazias a maior parte do tempo, antes mesmo de estabelecer um toque de recolher), mas seu mundo cão poderia ter aliviado a rigidez para fluir melhor em sua primeira hora. White God (um título provocativo sobre os preconceitos que perpassam o filme) com sua revolta canina (que ficará na sua cabeça por um longo tempo) já garante seu lugar entre os grandes filmes lançados no Brasil em 2016.
Kornél, Zsófia, Body e sua treinadora: prêmios em Cannes.
White God (Fehér Isten / Hungria - Alemanha - Suécia / 2014) de Kornél Mundruczó com Zsófia Psotta, Sándor Zsóter, Lili Horváth e Lili Monori. ☻☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário