Tiffany e Giovanni: cheiro de tragédia.
Eu não sabia que existia um dia do cinema brasileiro. Descobri meio que por acaso e pesquisei que a escolha de data ocorre por conta do dia em que o ítalo-brasileiro Afonso Segreto (reconhecido como o primeiro cinegrafista e diretor do país) registrou as primeiras imagens em movimento em território nacional: 19 de junho de 1898. Existem algumas divergências na escolha da data, já que algumas pessoas preferem celebrar no dia 05 de novembro, data da primeira exibição pública de cinema no país. Diante deste embate, considero a data de hoje bem mais emblemática. Por conta da data escolhi escrever sobre um dos filmes mais impressionantes do cinema brasileiro recente: Ferrugem. O diretor Aly Muritiba já havia realizado um ótimo trabalho com seu longa anterior (Para minha Amada Morta/2016) e aqui ele meio que revisita o ponto de partida sobre outra ótica. O filme é dividido em duas partes, a primeira é dedicada à Tati (Tiffany Dopke), a adolescente que terminou recentemente o seu namoro e que a vida segue normalmente. Cercada pelos colegas da escola, fazendo selfies constantemente e com um crush por perto. O crush em questão é Renet (Giovanni di Lorenzi), garoto tímido e um pouco sisudo que está bem perto de conquistar o coração da garota e vice-versa. Eis que um dia no passeio da escola, Tati perde o celular. Os colegas ajudam a procurar e parece que não tem jeito, o aparelho se perdeu de vez. Não demora muito para a menina chegar na escola e estranhar os olhares e sussurros dos colegas, sem entender muito bem o que está havendo ela descobre pelas amigas que houve a divulgação de um vídeo íntimo com o ex-namorado. Logo a menina é vítima de comentários maldosos, exclusões, xingamentos, bullying e tudo mais que acontece nestes casos (que só revela como o moralismo permanece o mesmo através dos séculos, não importa o quanto a sociedade seja hipócrita e diga o contrário). A vida da garota vira de cabeça para baixo e ela suspeita que foi Renet o responsável pela divulgação do tal vídeo que estava no celular perdido. O rapaz nega, mas a postura dele não ajuda em nada. Cada vez mais introspectivo e sisudo, o filme mergulha nos pensamentos do rapaz na segunda parte quando conhecemos um pouco melhor a família do rapaz. Aly Muritiba comprova ser um ótimo diretor de atores, especialmente do casal juvenil que tem atuações realmente convincentes. Aly sabe como tornar o filme cada vez mais sombrio e pessimista, mantendo a narrativa sem pressa e (quase sempre) tensa até o desfecho. O quase sempre se deve a algumas cenas desnecessárias que emperram o filme justamente quando ele chega no auge da história, são dois momentos que poderiam ter ficado de fora do corte final e ter rendido uma narrativa impecável do início ao fim. Este pequeno defeito não compromete o todo, talvez no texto escrito até fizesse sentido, mas depois que o filme ganhou corpo, nem precisava daquele "segredinho" do Enrique Diaz. Celebrado no Festival de Sundance e ganhador dos prêmios de Melhor filme, roteiro e som no Festival de Gramado, Ferrugem é esperto (aquela sacada das obscenidades escritas no banheiro foi uma forma genial de estampar os pensamentos remoendo na mente da menina), interessante e dolorido, mas vale ressaltar que ele apresenta dois pontos bastante sintomáticos deste tipo de produção: adolescentes não procuram conversar sobre seus problemas com os adultos e não procuram as autoridades para resolver problemas vinculados às redes sociais. Na vida real é assim também? Não deveria. O filme demonstra que lidar com alguns sentimentos pode ser muito complicado, especialmente quando a solidão é tão próxima.
Ferrugem (Brasil - 2018) de Aly Muritiba com Tiffany Dopke, Giovanni di Lorenzi, Enrique Diaz, Clarissa Kiste e Gustavo Piaskoski. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário