Sam e Michelle: dupla de talento.
Faz algum tempo que indago na internet quando a minissérie do Fosse/Verdon estreará na programação do canal FX no Brasil. Com a exibição terminada recentemente nos Estados Unidos, o programa sobre o relacionamento entre Bob Fosse e Gwen Verdon permanece sem data de estreia por aqui. Um amigo solidário me permitiu assistir toda a série nas últimas semanas e me explicou que até na Terra do Tio Sam o programa recebeu algumas críticas sobre não ter público amplo interessado na história que tem para contar, afirmou que no mundo de hoje, são poucos os que lembram de Fosse e Gwen. Eu tive vontade de chorar. Bob Fosse foi um dos maiores diretores de musicais dos Estados Unidos. Além de coreógrafo, ator, dançarino e produtor, ele dirigiu filmes que merecem ser revistos até hoje - especialmente Cabaret/1972 e All That Jazz/1979. A forma como o homem pensava a alma de um musical, seja no palco ou na tela, permanece única até hoje. Menos conhecida por aqui, Gwen Verdon era uma consagrada estrela da Broadway, ganhadora de quatro prêmios Tony e bastante influente. Ela e Fosse trabalharam juntos e se casaram, tiveram uma filha e depois se separaram, mas, ainda assim, o destino dos dois estava unido para sempre. Fosse/Verdon guarda bastante semelhanças com um projeto de Ryan Murphy, Feud, que nos brindou com o embate de Bette Davis e Joan Crawford, antes que Murphy migrasse para a Netflix. O FX quis continuar com a ideia e criou um programa onde a relação entre os protagonistas é ainda mais intensa. A trama é contada em oito episódios e tem como ponto de partida o período em que Fosse (vivido por Sam Rockwell) deixava de ser um diretor de teatro em ascensão para se tornar cineasta. A estreia ocorreu com Sweet Charity (1969), sua parceria nos palcos com Gwen Verdon (vivida por uma brilhante Michelle Williams) e que ganhou as telas com Shirley MacLaine. O passo seguinte foi Cabaret (1972), que contou com a ajuda de Gwen para ganhar forma na mesa de edição, nos figurinos e na maquiagem... e levou oito Oscars para casa! A partir dali se percebe que não importa quantos tropeços aconteçam no caminho dos dois, havia algo muito especial ali. Os dois se entendiam e se complementavam com uma naturalidade impressionante, embora muitos ressentimentos sejam acumulados pelo caminho. Fosse era um mulherengo egocêntrico (mas que ganha contornos humanizados pela leveza cheia de camadas de Rockwell), mas este senso de grandeza quase acabou com a vida dele e comprometeu vários planos de Gwen - basta ver a dificuldade que foi para convencê-lo a montar Chicago, a última grande parceria da dupla nos palcos (e que teria virado outra coisa se Fosse estivesse vivo para fazer sua versão para o cinema). Como não deixaria de ser, o último capítulo do programa é dedicado a All That Jazz, espécie de filme testamento em que o Fosse revisita sua vida perante a espreita da morte. Fosse/Verdon mescla a obra dos artistas com idas e vindas temporais, cria alegorias referendadas em suas peças e filmes (incluindo até o pouco lembrado Lenny/1974), além de algumas cenas de bastidores e palco. O programa criado por Thomas Kalil e Steven Levenson (tendo a filha do casal, Nicole Fosse como consultora) está mais preocupado em entender a união criativa que existia entre os dois personagens. O resultado é um magnífico duelo de interpretações. É visível o esforço de Rockwell para não fazer de Fosse um monstro, mas é Michelle Williams que arrasa em cada cena que aparece. O sotaque, os passos, a caracterização, o processo de envelhecimento, ela parece realmente uma diva da Broadway sobre o peso do tempo. Mesmo quando o destaque está sobre Bob, são seus olhares e gestos que enriquecem ainda mais a história. Rico em recriações e exuberante em termos de narrativa, Fosse/Verdon já está na minha lista de melhores do ano, ainda que se considere que o Brasil não tem público para este tipo de programa.
Fosse / Verdon (EUA-2019) de Thomas Kalil e Steven Levenson com Sam Rockwell, Michelle Williams, Jake Lacy, Margaret Qualley, Norbert Leo Butz e Bianca Marroquin. ☻☻☻☻
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