A inglesa Mary Anning existiu de verdade, no entanto, sabe-se pouquíssimo sobre sua vida, especialmente acerca de sua intimidade. Atuante na primeira metade do século XIX, subestimada em vida, o tempo a fez ser reconhecida como uma das paleontólogas mais importantes do seu tempo, no entanto, a vida de Mary foi marcada pela pobreza e por seu temperamento. Diante de uma vida pessoal que é um grande segredo, o diretor Francis Lee resolveu utilizar esta personalidade verídica para construir uma história de amor fictícia entre duas mulheres. Interpretada por Kate Winslet, Mary Anning revela seus sentimentos aos poucos durante as duas horas de filme, até que lá pelo final, percebemos que ela construiu para si uma casca protetora que evita frustrações, mas que também evita a possibilidade de romances. Por aqui o amor aparece personificado por Charlotte Murchinson (Saoirse Ronan), jovem casada e com diagnóstico de saúde frágil que irá viver na casa de Mary por algum tempo - mas na verdade o esposo dela (James McArdle) quer mesmo é se livrar da moça e curtir a vida bem longe do litoral em que a deixa aos cuidados da paleontóloga. Se no início Mary é séria e arredia, aos poucos, a proximidade entre as duas revela novas camadas na vida da protagonista, gerando até possibilidades de felicidade em seu futuro. Francis Lee tem um interesse genuíno por personagens do mesmo sexo que se envolvem em relacionamentos improváveis, mas se em seu filme anterior (O Reino de Deus/2017) ele marcou sua estreia em longa-metragem com um filme modesto, mas de grande potência - o que chamou a atenção da crítica que o colocou em algumas listas de melhores filmes daquele ano. No entanto, em Ammonite o diretor sofre alguns tropeços. Começando pela atmosfera gélida em que ambienta o seu romance, deixando suas preciosas protagonistas com a sensação de tocarem uma nota só - e embora Kate e Saoirse tenham algumas cenas de sexo bem despudoradas, elas parecem filmadas debaixo de um jato de água fria de tão equivocadas que as cenas são construídas. Talvez isso tenha contribuído para que o filme recebesse críticas severas que o compararam com o aclamado Retrato de uma Mulher em Chamas (2019), alegando que não existe aqui o mesmo viço. Particularmente acho os dois filmes bastante diferentes e distantes, mas o fato de ser um filme de época, com uma protagonista amargurada que se apaixona por outra mulher, deve ter feito a sirene tocar em algumas cabeças. O preço disso foi ser completamente ignorado na temporada de prêmios (para tristeza de Kate Winslet e da distribuidora Neon que investiu pesado na campanha do filme), além de sofrer com a revolta dos parentes de Mary Anning que alegaram não haver evidência alguma da homossexualidade da personagem real retratada aqui. Se a ideia era fazer uma homenagem fictícia para uma personalidade subestimada da paleontologia, Ammonite parece um tiro que saiu pela culatra, resta ao menos o capricho da produção.
Ammonite (Reino Unido / Austrália / EUA - 2020) de Francis Lee com Kate Winslet, Saoirse Ronan, Gemma Jones, James McArdle, Sam Parks, Fiona Shaw, Sarah White e Liam Thomas. ☻☻☻
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