Roman: narrativa pela vida.
O cineasta marfinense Philippe Lacôte esteve muito perto de ter uma indicação ao Oscar por seu segundo longa metragem. O filme Noite de Reis passou por várias seletivas para representar a Costa do Marfim no Oscar deste ano, mas acabou ficando de fora da lista final - o que causou surpresa em muita gente. A produção ganhou destaque em vários festivais (concorreu até ao Leão de Ouro no Festival de Veneza) e foi lembrado em premiações como o Independent Spirit e chama atenção pela enorme colagem de referências que apresenta ao espectador. O filme gira em torno do jovem Roman (Bakary Koné), um rapaz que acaba de chegar em Maca, um presídio isolado no meio de uma floresta e que é conhecido por ser governado por seus prisioneiros. Quem dita as ordens no local é Barba Negra (Steve Tientcheu), mas este esta muito doente e sua liderança deve durar pouco tempo - o que gera uma verdadeira disputa pelo poder local. O líder designa que Roman será um contador de histórias naquele microcosmos e, embora o rapaz não faça a mínima ideia do que contar, ele precisa improvisar alguma coisa para que na noite da Lua Vermelha possa cativar os demais prisioneiros evitando não apenas a sua morte, mas uma verdadeira guerra no local. Nesta variação de Sherazade no conto das Mil e Uma Noites, Roman constrói uma narrativa que mistura elementos sociais, políticos e mitológicos de seu país. Não bastasse a imaginação do rapaz, o filme ainda conta com encenações teatrais feitas pelos prisioneiros com base na história contada, evocando uma teatralidade que nem sempre se encaixa bem na tela. Existe muito aqui da importância das histórias orais para a Costa do Marfim e um bocado de referências cinematográficas ao filme brasileiro Cidade de Deus (2002), seja pela tensão marginal que perpassa o filme, a fotografia ou as digressões do roteiro, no entanto, a opção por construir um choque entre o real e o onírico, o filme em alguns momentos se torna bastante irregular (e em determinado momento até um personagem ressalta que nada faz muito sentido) e se prende tanto à narrativa de Roman que deixa de desenvolver os personagens interessantes que estão ao seu redor. Lacôte parece construir um verdadeiro universo paralelo em seu filme, mas de lado em nome da colagem promovida por seu protagonista. Talvez por isso o filme perca fôlego em sua metade, mas ainda permanece interessante para quem quer conhecer uma cinematografia diferente da que vemos estrear toda semana por aqui. O filme foi o escolhido para encerrar a parceria entre o Telecine e o Festival do Rio, que desde o dia 17 de julho apresentou um filme inédito por apenas um dia, alguns eu já tinha visto, outros não consegui ver, mas a iniciativa foi realmente louvável!
Noite de Reis (La Nuit dos Rois / Costa do Marfim - França - Canadá - Senegal) de Philippe Lacôte com Bakary Koné, Steve Tientcheu, Issaka Nawadogo, Laettittia Ky e Macel Anzian. ☻☻☻
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