Duna, o livro de Frank Herbert, é uma obra-prima da ficção científica e, por conta disso, coleciona milhares de fãs desde o seu lançamento em 1965. Alguns deles resolveram fazer uma versão para o cinema em 1984 com direção de David Lynch, mas o filme foi um fracasso de bilheteria, se tornou motivo de piada por suas bizarrices e até recebeu o desprezo do seu próprio diretor. Afinal, reza a lenda que Lynch filmou uma versão de quatro horas para contar a história do herói Paul Atreides, mas que os produtores exigiram um corte de duas horas e ainda começaram a vetar as solicitações feitas por Lynch. Dito isso, não é surpresa que o filme foi um fiasco (como fã de Lynch eu tentei assistir, mas desisti antes da primeira meia-hora. Agora que o longa está em cartaz na Netflix, tentarei assistir novamente). Eis que passado o trauma, resolveram criar outra versão. Quase quatro décadas depois, convidaram o canadense Denis Villeneuve para a empreitada. Denis também tinha lá seus traumas quando a produção começou, já que depois do fracasso comercial do ambicioso Blade Runner 2049 (2017) chegou a considerar que não seria convidado para trabalhar novamente. Sorte que quem entende de cinema sabe que a sequência do filme de Ridley Scott é tão obra-prima quanto o primeiro filme e que o diretor merecia novas chances de construir mundos para a telona. Interessante que antes do sucesso de A Chegada (2016), era difícil imaginar que o diretor se tornaria o grande nome da ficção científica cinematográfica do século XXI (embora já demonstre sinais de saturação). Chegado a dramas intimistas na fase inicial de sua carreira, este deve ser o diferencial para dar alma ao corpo de efeitos especiais de suas obras no gênero. No fim das contas, parece que Duna curou os traumas de todo mundo. Tornou-se a maior bilheteria mundial desde a reabertura dos cinemas em tempos de pandemia e recentemente teve a sua sequência garantida - o que é muito importante para a apreciação do filme. Lembra do que houve com a versão de David Lynch? Pois é. Villeneuve também criou uma adaptação pensada para mais de um filme (na verdade pensou numa trilogia) e esta acaba se tornando a grande restrição do filme que, visivelmente, serve como espécie de introdução à trama. Falando em introdução, demora um bocado para o filme engrenar com toda a preocupação de tornar compreensível aquele universo construído por Frank Herbert. Haja nomes e palavras estranhas em torno da história do planeta Arrakis, que é constantemente explorado por conta da substância conhecida como "especiaria", uma espécie de droga alucinógena benéfica para quem a consome. Por ela as guerras são travadas, assim como jogos de poder e traições que movimentam a trama. O engraçado é que Villeneuve opta por ser bastante conciso em alguns momentos (como a introdução na voz de Zendaya que resume a história do planeta em poucas frases) e bastante moroso em outros. Em vários momentos Duna se arrasta em pura contemplação à grandiloquência do mundo construído para o filme. Dos imensos desertos habitados por vermes gigantescos, passando pelas naves impressionantes e os veículos que parecem libélulas mecânicas, a atenção a estes elementos parecem ter tanto peso quanto os personagens da trama. A história é centrada na família do Duque Atreides (Oscar Isaac), que casou com uma mulher ligada à bruxaria (Rebeca Ferguson) e tiveram um filho, Paul (Thimothé Chalamet), que parece predestinado a algo grandioso. No entanto, tão logo a família chega à Arrakis, existe um clima de conspiração no ar, já que o planeta e seus habitantes calejados rejeitam a ideia de um novo explorador. No entanto, existe outras figuras imponentes de olho na extração das especiarias... é estranho que dada a alardeada complexidade da obra literária, o filme pareça carregar uma história tão simples. Levando em consideração o didatismo do roteiro na apresentação daquele universo, personagens e ações (que às vezes transborda em exageros como os momentos como um personagem dizendo "vamos decolar" para no minuto seguinte a nave decolar ou de Jason Momoa trancando uma porta para no minuto seguinte uma personagem dizer que "ele trancou a porta") e ter tudo no lugar certo (atuações convincentes, efeitos especiais competentes, trilha sonora excelente e cenas de ação grandiosas para espantar o sono quando ele aparece), Duna termina com a sensação de ser uma longa introdução e, não é por acaso, que a personagem de Zendaya diga que "isso é apenas o começo" quando esta primeira parte está em seus minutos finais - pouco depois do franzino Paul de Chalamet demonstrar que está disposto a crescer e assumir seu papel neste conflito instaurado por outras instâncias. Não vou tecer muitos comentários sobre o trabalho do mocinho até que a sequência saia em 2023. Se o objetivo é apresentar a ideia ao espectador para que ele compre esta nova versão, o filme funciona, mas depende muito da segunda parte para justificar sua existência.
Duna - Primeira Parte (Dune/Estados Unidos - Canadá - Hungria - Noruega - Ìndia /2021) de Denis Villeneuve com Thimothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Jason Momoa, Zendaya, Javier Bardem, Dave Bautista, Josh Brolin, Charlotte Rampling, Stellan Skarsgård eDavid Dastmalchian. ☻☻☻
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