Selecionado para a Mostra Panorama do Festival de Berlim do ano passado, o brasileiro Vento Seco chamou a atenção não apenas por suas cenas homoeróticas (bastante) explícitas, mas também por ser um filme brasileiro ambientado em Goiás, mais precisamente na cidadezinha de Catalão, terra natal do diretor Daniel Nolasco. Em entrevistas o cineasta sempre ressaltou como as pessoas ficavam surpresas quando relatava as histórias do vivência homossexual em sua cidade e o filme é a sua forma de recontar os causos em formato cinematográfico. Entre histórias, points e personagens, Vento Seco se constrói entre a realidade, a fantasia e o fetiche, em cortes, narrações em off e uso bastante inventivo das cores para contar a história de Sandro (Leandro Faria Lelo), homem maduro que não assume a sua identidade sexual na vida real - mas a vivencia plenamente entre as árvores de eucalipto das redondezas e nos sonhos banhados de luxúria. Se por um lado ele se relaciona com um colega de trabalho (Allan Jacinto Santana), por outro lado, ele se sente cada vez mais atraído por um novo empregado da fábrica de fertilizantes em que trabalha (Rafael Teóphilo). Assim, mesmo sem se dar conta dos conflitos que carrega há tempos dentro de si, ele começa a mergulhar cada vez mais nos desejos mais escondidos. Pode se dizer que Nolasco é um cineasta ousado, sem pudores para mostrar o que o cinema convencionou considerar inadequado para a plateia, no entanto, imprime ao seu primeiro longa metragem a mesma estética já exibida em seus curtas. Existem muitos closes em partes específicas do corpo masculino, muita nudez e cenas afrontosas que não torna o filme recomendável para quem considera a anatomia masculina ofensiva na tela grande ou que considera sexo entre homens algo a não ser revelado em filmes que fogem à seara pornográfica. Debaixo das cenas tórridas (e acreditem, o diretor vai mais longe do que a maioria ousa ir), existe uma vasta gama de emoções a ser trabalhada. A não aceitação de si mesmo, a vergonha, o preconceito, a intolerância, o ciúme, a censura, a violência... o texto de Vento Seco constrói sua história e personagens através de elementos que já foram vistos em inúmeros filmes de temática LGBTQIA+, no entanto, os costura com personalidade, coragem e fluídos corporais. Em algumas cenas o filme parece evocar o estilo de David Lynch no que possui de mais onírico, embaçando o que é real e o que é imaginário, abraçando uma cadência imagética entre a rotina mais comum entre um sonho (ou seria pesadelo?) erótico. No entanto, para além do sexo como elemento narrativo, Nolasco apresenta várias ironias no seu texto que fazem a diferença e sustentam o filme em seu objetivo de ser levado a sério, são elas os comentários sobre o clima seco e a frieza noturna de doer os ossos, os lábios que se deterioram naquele ambiente, a ideia de um segredo proibido que deve ser mantido (mas que outras pessoas já conhecem faz tempo), a cena no parque de diversões ou o discurso no rodeio enquanto Sandro busca alguma satisfação com um desconhecido. No entanto, o filme peca em alguns cortes que retiram da edição final momentos que seriam importantes para a trama (a violência contra um dos personagens e o desfecho de Cezar), mas acho que a ideia de Nolasco é fugir de tudo que é convencional, já que o cenário escolhido já traria esta ideia de monótona normalidade. Vale destacar que o filme oferece ao protagonista Leandro Faria Lelo um grande desafio, mas que ele executa com bastante destreza. Da exposição corpórea às emoções que estão escondidas sob o rosto de pedra (que por vezes revela a vulnerabilidade em sua plenitude), o personagem se torna fácil um dos mais interessantes da cinematografia nacional, embora seja necessário ter maior de dezoito anos para conhecer sua história, real ou imaginária. Porém, definitivamente, não é para todos os gostos.
Vento Seco (Brasil/2020) de Daniel Nolasco com Leandro Faria Lelo, Allan Jacinto Santana, Renata Carvalho, Rafael Teóphilo, Leo Moreira Sá e Mel Gonçalves. ☻☻☻
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