Klaus e Arielle: fragmentos de fetiches variados.
Em 1975 o filme francês A História de O contava a história de uma bela jovem que é levada pelo namorado para um retiro bizarro em que recebe informações sobre escravidão e perversão sexual. No entanto, por conta de uma dívida pessoa, ela fica cada vez mais aos cuidados do cruel Sir Stephen, que a torna a escrava de seus desejos mais obscuros. Nem precisa dizer que o filme de Just Jaeckin provocou polêmica na época do seu lançamento ao levar para as telonas a obra de Pauline Réage, lançado em 1955, sobre a mulher que era livre e se vê submetida ao prazer máximo pertencente ao outro. Um filme já estava de bom tamanho para contar a história da protagonista chamada O, mas em 1984 o filme recebeu uma sequência oficial e nos anos 1990 rendeu até uma versão nacional com Paula Burlamaqui, Paulo Reis e João Camargo. O mais curioso é que em 1981 O recebeu uma espécie de fanfic de Shûji Terayama (1935-1983) que escalou o cultuado (e difícil) Klaus Kinski para encarnar Sir Stephen. Dessa vez a protagonista está nas mãos de Stephen desde o início e ele a leva para um bordel na China. O país é apresentado incialmente em fotos, mas depois torna-se um cenário quase imaginário da fantasia que emoldura os fetiches que perpassam o filme. A jovem O aqui é vivida por Isabelle Illiers, que ama Stephen, mas ele só demonstra ter prazer em vê-la submetida aos caprichos de outros homens. Existe a sensação de poder e domínio daquele velho homem sobre a jovem a toda instante, quem observa o filme hoje pode ver no rosto envelhecido de Kinski o retrato de um patriarcado fantasmagórico sobre o feminino, que observa as mulheres apenas como instrumento de satisfação dos seus desejos (algo que a obra de Pauline Réage já sinalizada décadas atrás). O veterano ator alemão já estava calejado de polêmicas em sua carreira e não teve pudores em encarar cenas de sexo não simuladas (com closes nada discretos) com suas parceiras de cena. Na maioria delas é a musculatura de seu corpo envelhecido que fica em maior evidência (e ele fez questão de permanecer de meias e sapatos brancos durante as cenas de sexo por achar que ficava melhor). O fato dele portar um leque em algumas cenas e fazer cara de malvado o tempo todo traz uma estranha semelhança com o estilista Karl Lagerfeld dos anos 2010, o que traz ao filme um anacronismo interessante. Talvez sua presença malévola seja a coisa mais interessante do filme, já que a montagem resulta num amontoado de cenas picotadas dedicadas à rotina sexual de seus personagens. O roteiro até ensaia alguns pontos para desenvolver no roteiro: a depressão de O em busca de seu lugar no mundo, o efeito dissonante de um triângulo amoroso dos protagonistas com experiente Nathalie (Arielle Dombasle), a inocência do amor pelos olhos do rapazinho vivido por Kenichi Nakamura e até uma revolta dos chineses contra o governo britânico (lembrando que Sir Stephen é britânico, apesar de Klaus ser alemão), mas tudo soa empolado e pouco envolvente. Dizem que o experiente Terayama estava doente na época e não tinha muita energia durante as filmagens, fato que se comprovou com sua morte dois anos depois, de forma que Frutos da Paixão se tornou seu penúltimo longa-metragem. Acho que um pouco do resultado também se deve ao trabalho de Isabelle Illiers que está visivelmente desconfortável nas cenas que tem pela frente (e o fato de sua carreira de atriz terminar após o filme só aumenta essa impressão), algo que contrasta consideravelmente com o ímpeto de Klaus em cada cena.
Os Frutos da Paixão (Fruits of Passion/ França - Japão) de Shûji Terayama com Klaus Kinski, Isabelle Illiers, Arielle Dombasle, Kenichi Nakamura e PîTâ e Keiko Niitaka. ☻
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