Feito para televisão dinamarquesa em 1988, Medéia é o terceiro longa-metragem de Lars von Trier. Depois de dividir opiniões com seus projetos para o cinema (Elemento de um Crime/1984 e Epidemia/1987) e não alcançar boas bilheterias, Trier resolveu fazer uma adaptação da clássica tragédia de Eurípedes baseado no texto de Carl Theodor Dreyer. Aqui existem algumas mudanças na clássica trama da mulher desesperada ao ser abandonada pelo marido com seus dois filhos. Acho que muita gente já sabe como essa história termina, mas não vou contar o desfecho da trama, apenas dizer que mesmo que o final da obra seja uma das mais conhecidas da História, Trier ainda consegue nos surpreender ao expor toda a dor daquela situação. Medeia (ótima atuação de Kirsten Olesen) tem dois filhos em seu casamento com Jazão (Udo Kier num papel bem diferente do que acostumamos vê-lo). Eis que após as vitórias em uma batalha, ele recebe a mão da princesa (Solbjørg Højfeldt), filha do Rei Creonte (Henning Jensen) em casamento. Medéia nao aceita a decisão do esposo de abandoná-la com os meninos, mas aos poucos começa a tecer sua vingança contra o ex-esposo, para que este perca tudo. No entanto, para que a espiral de acontecimentos se concretize, a própria Medeia irá realizar o maior sacrifício de sua vida. Diante do destino dos personagens que se traça lentamente, Lars von Trier esbanja distanciamento, numa narrativa que pode ser vista como fria por alguns, mas tanta contenção acaba ampliando toda a dor da mulher que se desfaz diante da arquitetura de seu plano. Particularmente adoro a concepção que apresenta Medéia como um ser quase mítico, com a cabeleira negra censurada por um tecido, com as vestes escuras lhe cobrindo a pele quase que por completo e o semblante sempre dolorido pelas armadilhas que lhe foram reservadas. Sua figura encaixa com perfeição nos cenários valorizados pela tonalidade sépia da fotografia. Existe muita terra, muita água, pântanos, galhos secos e campos amarelados, criando ambientações externas para uma encenação de marcações quase teatrais. Trier costuma ser acusado de ser misógino pela forma como trata suas personagens femininas. Ele mesmo já disse em entrevistas que conta histórias sobre mulheres sofrendo por "ninguém se importar com homens sofrendo". Não sei muito bem o que ele quis dizer com isso, mas o fato é que em Medéia ele constrói uma personagem feminina que não se quebra diante dos arranjos dos homens que a cerca e, por isso mesmo torna-se tão assustadora aos outros personagens. Obviamente que a cena do derradeiro sacrifício da inocência é de partir o coração, mas fiquei surpreso pelo tom impresso, que a torna ainda mais emocional e dolorosa para a clássica personagem. Embora não tenha sido aclamado em sua época de lançamento, Medéia pode ser reconhecido hoje como o primeiro grande filme do diretor dinamarquês. Mais interessante ainda é perceber os momentos desta produção que ecoaram em outros filmes do cineasta (mas não vou citar quais para não estragar a surpresa).
Medéia (Medea / Dinamarca - 1988) de Lars Von Trier com Kirsten Olesen, Udo Kier, Henning Jensen, Solbjørg Højfeldt, Ludmilla Glinska e Baard Owe. ☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário