sábado, 25 de maio de 2024

#FDS Palma de Ouro: Adeus, Minha Concubina

Cheung: romance em meio à conturbada história chinesa.

Em 1993 houve um empate na votação do filme que levaria a Palma de Ouro do Festival de Cannes para casa, o fato não chegava a ser uma novidade, já que ao todo foram nove vezes que o prêmio máximo do festival foi compartilhado entre duas produções. Imagino o júri diante do impasse ao assistirem O Piano de Jane Campion e Adeus, Minha Concubina de Chen Caige. Dois grandes filmes que são considerados verdadeiros clássicos dos anos 1990 com histórias de amor atravessadas por uma realidade dura e cheia de convenções.  Adeus, Minha Concubina é uma adaptação do livro de Lilian Lee, que conta a história de dois atores da ópera de Pequim que através da conturbada história da China no século XX. São quase três horas de filme sobre a história de Cheng Dieyi, um menino que é abandonado por sua mãe junto a outros garotos a serem formados para atuar nos palcos. Com o início de sua formação em 1924, Dieyi vai comer o pão que o diabo amassou na companhia, a começar pelo dedo extra que sua mãe acaba cortando para que seja aceito pela companhia. A origem do menino também não é bem vista pelos colegas, o que faz com que ele seja perseguido pelas outras crianças. Um pouco de alento chega pela companhia de Duan Xialou, que se tornará seu parceiro de palco através de décadas e, até que isso aconteça, compartilhará os terríveis castigos da companhia em nome da perfeição. Como os papéis nos palcos eram vividos somente por homens, Dieiyi, devido às suas características físicas mais delicadas,é escolhido para viver os papéis femininos, incluindo o da peça que dá título ao filme. O filme desenvolve nas entrelinhas uma ambiguidade sobre a sexualidade de Dieyi em sua vida adulta (agora vivido por Leslie Cheung), sempre com sugestões de que ele era apaixonado por Xialou (interpretado quando adulto por Zhang Fengyi), ao ponto de vivenciar fortes crises de ciúmes quando o colega se casa com Juxian (a diva Gong Li), instaurando um triângulo amoroso problemático. Acompanhamos então a relação entre os três mesclada com a ascensão dos atores perante as mudanças políticas na China, envolvendo conflitos como Japão e a chegada do partido comunista chinês ao poder. Tudo se torna cada vez mais tenso e por várias vezes coloca a vida dos dois atores em risco até o desfecho. Existe aqui uma história de amor com a História de um país como pano de fundo, o que quando costuma funcionar se torna extremamente envolvente. Para além destes dois elementos, Adeus, Minha Concubina tem uma direção de arte belíssima, valorizada ainda mais pela fotografia de encher os olhos, numa contraposição da estética de um sonho com a dureza da realidade que sempre paira sobre os dois atores. Existe ainda um caráter metalinguístico na trama, já que nas entrelinhas existe muita  semelhança entre a vida de Xialou e Dieyi e a peça que os tornam consagrados. Por último, vale ressaltar que existe uma sintonia perfeita entre Zhang e Cheung, que muitas vezes se comunicam somente pelo olhar. Falando em olhar, Leslie Cheung está perfeito ao reproduzir a alma melancólica de seu personagem ao longo de todo o filme com aqueles olhos entre a raiva e a tristeza, além de de um trabalho corporal notável quando surge como figura feminina no palco. O filme se tornou o primeiro filme chinês a receber a Palma de Ouro no Festival de Cannes, mas foi banido dos cinemas chineses devido à censura local, retornando às salas meses depois em uma versão mais curta. O longa também concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e Fotografia (mas merecia lembranças em várias outras categorias, como maquiagem, figurino, direção de arte). Entre os outros filmes que concorriam à Palma de Ouro em 1993 estavam Naked de Mike Leigh, Tão Longe Tão Perto de Win Wenders, Um dia De Fúria de Joel Schumacher, Muito Barulho por Nada de Kenneth Branagh e O Inventor de Ilusões de Steve Soderbergh.  Adeus, Minha Concubina se tornou um dos filmes orientais mais falados dos anos 1990 e ainda hoje permanece com seu impacto irretocável.

Adeus, Minha Concubina ( Ba wang bie ji / China - Hong Kong / 1993) de Kaige Chen com Leslie Cheung, Fengyi Zhang, Gong Li, You Ge, Zhi Yin, Dan Li e Wenli Jiang.

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