Ísis e Fabrício: Maria Lúcia inconcebível.
Acho que deve existir duas músicas chamadas Faroeste Caboclo. Uma é aquela famosa de letra quilométrica dita por longos minutos da Legião Urbana. Nela podemos ver a história dos personagens se misturar com as diferenças sociais em Brasília, uma cidade de visual futurista, projetada no coração do Brasil, mas que servia de pano de fundo para a saga de João de Santo Cristo, seu envolvimento com o crime, os embates com o traficante Jeremias e o romance com Maria Lúcia. A outra música chamada Faroeste Caboclo deve ser a que o diretor René Sampaio ouviu quando resolveu fazer esse filme. Nada contra uma pessoa querer pegar uma história e transformá-la quando a leva para outra mídia. Essa discussão é velha nas adaptações cinematográficas para obras literárias ou teatrais, mas Sampaio faz um estrago sem tamanho na história que perpassa o imaginário dos brasileiros desde a década de 1980. Tenho a impressão que o diretor queria fazer uma espécie de Cidade de Deus do Planalto Central, mas não sabia para que lado atirar (sem trocadilho). O filme até que começa promissor - apesar de resumir em dois crimes a infância e adolescência de Santo Cristo (Fabrício Boliveira, que às vezes briga com a câmera para não ser uma versão repaginada de Zé Pequeno). Mas quando o personagem chega à Brasília - e o roteiro trata isso como se fosse apenas uma vírgula - o estranhamento é inevitável. Em momento algum Santo Cristo mostra encantamento pela cidade que irá devorar o que lhe resta de inocência. A coisa degringola de vez quando a edição picotada (que é outro ponto fraco do filme) tenta mostrar a história de uma apática Maria Lúcia em paralelo. Penso que o ponto mais rasteiro do filme foi a escolha de Ísis Valverde para viver a heroína na canção. A atriz pode até dar conta de personagens unidimensionais em novelas, pode fazer gracinhas e bancar a Lolita adulta em novelas, mas ela não consegue alcançar um por cento da complexidade da personagem. Sua Maria Lúcia é inconcebível. Sem força e inexpressiva, fica difícil entender como Santo Cristo se apaixonou por ela enquanto Jeremias (Felipe Abib) a cobiçava. Apesar de alguns exageros, Abib consegue compor um Jeremias realmente sórdido e que serve de contraponto para o anti-herói Santo Cristo. Ambos são figuras marginalizadas, mas conseguem compor motivações diferentes para essa essência bandida que carregam. A adaptação perde várias nuances da música que impregnava de poesia uma história que contrastava inocência e violência. Da forma como o filme foi feito parece mais um longa da marginália tupiniquim. Apesar de ter levado mais de um milhão de espectadores nos cinemas, Faroeste Caboclo consegue ser mais decepcionante do que qualquer coisa. Acho que no fundo, Sampaio não achava que a histórica composição de Renato Russo já renderia um bom filme.
Faroeste Caboclo (Brasil/2013) de René Sampaio com Fabrício Boliveira, Ísis Valverde, Felipe Abib, Flavio Bauraqui, Léo Rosa e Marcos Paulo. ☻☻
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