Coutinho e Torres: nudez interpretativa.
O renomado documentarista Eduardo Coutinho mostrou mais uma vez seu brilhantismo quando teve a ideia de realizar Jogo de Cena. Partindo de uma ideia tão simples, quanto genial, ele colocou um anúncio de jornal pedindo para que mulheres que tivessem histórias para contar entrassem em contato com a produção para participação em um filme. A partir desse convite, existem desdobramentos incríveis. Além de contar com as mulheres que responderam ao anúncio, Coutinho pede para que algumas atrizes se dediquem a interpretar essas mulheres reais durante seus depoimentos. Além das histórias serem interessantes por si só, a plateia ainda tem o acréscimo de ver o desafio das atrizes em transformá-las em personagens diante dos nossos olhos. No fundo a experiência é muito mais do que isso, revelando-se um verdadeiro jogo para as atrizes e os espectadores (já que as atrizes buscam aproximar-se da realidade e o espectador tenta captar o que é interpretação e o que é real). Ciente de que o filme poderia ficar cansativo, Coutinho capricha na edição, deixando sempre um fator surpresa para o público, fazendo com que o filme continue em seus desdobramentos muito tempo depois que assistimos. Quando o filme começa com Mary Sheila falando sobre o envolvimento com o projeto Nós do Morro pensamos se é um depoimento pessoal da atriz, ou uma interpretação. Somente depois iremos conhecer uma personagem real que poderia ser sua matéria prima interpretativa. Mas nem só de rostos conhecidos se faz Jogo de Cena, atrizes não familiares ao público conseguem momentos sublimes que são revelados por uma frase ("foi isso que ela falou", diz uma acima de qualquer suspeita), gestos, dicção, postura em cena... além disso temos a oportunidade de ver as famosas Andréa Beltrão, Fernanda Torres e Marília Pêra falando um pouco do processo de criação das personagens. É mais do que interessante ver Andréa sucumbindo às lágrimas ao interpretar uma personagem real - serena e que não chora diante de seus próprios dramas. Se ela dá a impressão que seu processo de criação está nu diante de nossos olhos, Fernanda Torres chega a ser pornográfica na forma como expõe suas dificuldades para o diretor (relata que é como se a personagem real "esfregasse na cara" que ela não estava atuando corretamente). Divertido mesmo é ver o desafio de Marília Pêra em interpretar o discurso multifacetado de Sarita Houli Brumer. Marília parece se perder entre o emaranhado de lembranças da personagem - mas ao mesmo tempo, poderia estar mais preocupada em aprofundar alguns traços que a própria Houli tenta ocultar com a fala, aparentemente, desarticulada. Talvez nos escape da primeira vez todas as nuances do filme, mas vale a pena sentir aquele momento em que as atrizes se desconectam da personagem e se expõem diante da câmera com suas próprias histórias. Jogo de Cena é um dos melhores filmes sobre interpretação que já vi e, ao mesmo tempo, consegue ser revelador ao enfileirar histórias onde temas familiares estão sempre presentes na vida de mulheres que se revelam tão interessantes quanto atrizes que nos parecem tão próximas. Coutinho borra as fronteiras entre realidade e ficção com uma ousada naturalidade (que é invejável )e prova que a velha máxima de que a vida de qualquer um poderia virar um filme.
Jogo de Cena (Brasil-2007) de Eduardo Coutinho com Andréa Beltrão, Fernanda Torres, Mary Sheila, Fernanda Torres e Eduardo Coutinho. ☻☻☻☻☻
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