Mads: preso num labirinto de acusações.
A Caça é o tipo de drama que mais parece um filme de terror. O dinamarquês Thomas Vinterberg conta a história de Lucas (Mads Mikkelsen, excelente e premiado em Cannes), um professor de creche que tenta reconstruir sua vida depois de um divórcio. Além dos desentendimentos com a esposa e a briga pela guarda do filho, Lucas passa o tempo na companhia de sua adorável cadelinha Fanny e dos amigos com quem caça de vez em quando. Apesar dos dramas familiares, a vida de Lucas pode ser considerada tão tranquila quanto a cidade em que vive. O melhor amigo de Lucas é Theo (Thomas Bo Larsen) que de vez em quando se desentende com a esposa e deixa a filha de oito anos, Klara (Annika Wedderkopp) meio de escanteio. Nos momentos de crise familiar, é o sereno Lucas que serve de porto seguro para a menina. É nesse desenvolvimento inicial que podemos ver quanto Klara admira o amigo de seu pai. Percebendo isso, Lucas conversa com Klara e ela sente raiva suficiente para comentar com a diretora que "odeia Lucas" porque "ele é bobo, feio e tem pipi". Misturando referências que ouviu seu irmão adolescente conversando com amigos, ela complementa seus comentários de forma que a diretora acredita que Lucas molestou a menina na escola. Daí em diante, Lucas mergulha num inferno astral onde de bom sujeito ele se transforma num pedófilo perante a comunidade - sem nunca ficar muito claro do que está sendo acusado. O filme constrói lentamente o drama do personagem, que começa a ser rejeitado por toda a comunidade, perde o emprego, as chances de ficar com o filho e se torna alvo de ações violentas de quem antes considerava ser seus amigos. Cria-se entre os personagens uma estrutura sufocante, onde a verdade nunca consegue aparecer numa histeria coletiva onde o que importa é execrar Lucas e quem está perto dele. Econômico em sua narrativa, mas pleno no domínio de cada cena, Thomas constrói um drama pesado num ritmo de pesadelo onde a condução de um comentário é capaz de acabar com a vida de alguém. Vendo o filme lembrei de O Processo de Kafka e de As Bruxas de Salém de Arthur Miller, mas A Caça ganha vida própria ao lidar com uma paranoia atual de forma bastante contundente. O filme serve como modelo exato de como não lidar com um caso desses, a diretora nunca faz as perguntas certas à menina, deixa sempre lacunas para que seus próprios medos possam preencher, da mesma forma, nunca é clara com a comunidade, deixa o imaginário de todos aumentar ainda mais o comentário da menina, expõe vítimas, o suspeito e seus familiares, vizinhos, crianças, escola... transformando toda a cidade num campo onde quem é considerado "pessoa de bem" precisa estar disposto a cometer alguma selvageria. A tensão é crescente e a reflexão sobre como a "civilidade" se transforma facilmente em "selvageria" quando borramos os conceitos de vingança e justiça é certeira em seus objetivos. Há de se exaltar as atuações de todo o elenco, sobretudo da menina Annika e de Mads que está excepcional na pele de Lucas (há nele algo de Jó, que fica ainda mais evidente na catártica cena da igreja). Vinterberg cria aqui o seu melhor filme, curiosamente, abordando uma tema parecido com do longa que o revelou para o mundo (o controverso Festa de Família/1998). Além da boa condução da jornada de Lucas, o filme mostra-se brilhante quando, ao final, tudo parece se acertar de forma incômoda ao espectador - até que uma surpresa (que remete diretamente ao título) mostra que, por mais que a verdade tenha aparecido, a mancha permanecerá para sempre na vida de seus personagens.
A Caça (Jagten/Dinamarca-2012) de Thomas Vinterberg com Mads Mikelsen, Annika Wedderkopp, e Thomas Bo Larsen. ☻☻☻☻
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