Lecter: a personificação erudita do mal.
Pode parecer exagero, mas quando O Silêncio dos Inocentes chegava aos cinemas em 14 de fevereiro de 1991, uma pequena revolução no cinema se anunciava. Se levarmos em consideração que o filme de Johnatan Demme permaneceria na memória de muita gente até o Oscar de 1992 a importância estilística do filme fica ainda mais evidente, já que O Silêncio é um dos três filmes na história do cinema que ganharam os cinco principais prêmios da Academia (Filme, diretor, ator, atriz e roteiro), os outros dois foram Aconteceu Naquela Noite/1934 e Um Estranho no Ninho/1975. Baseado no romance de Thomas Harris o filme é capaz de causar arrepios - o que já está provado que se deve principalmente à direção nada afetada de Demme (que passa boa parte do filme sugerindo uma crueldade - que quando aparece é arrebatadora). Existem ainda um trunfo poderoso na produção: a química entre o casal Anthony Hopkins e Jodie Foster. Não por acaso, a carreira de Anthony pode ser dividida em antes e depois de sua personificação de Dr. Lecter, já que, apesar do talento, ele nunca chegou a ser astro antes de viver o canibal mais célebre do cinema. Na pele de Hannibal Lecter, a intensidade de Hopkins permanece até quando ele não está em cena (e se você cronometrar, verá que ele aparece apenas por uns 15 minutos - o que torna sua atuação ainda mais impressionante). O caminho de Lecter cruza com o da novata agente do FBI Clarice Starling quando ela é convidada a auxiliar na captura do criminoso Buffalo Bill (Ted Levine que ficou famoso anos depois como o Stottlemeyer da série Monk). Starling deverá entrar em contato com um prisioneiro ardiloso, conhecido como Hannibal "O Canibal", ou, formalmente, Dr. Lecter. Lecter era um renomado psiquiatra que colaborava em investigações do FBI, até descobrirem que se tratava de um psicopata obcecado por saborear a carne humana. O mais interessante é como no decorrer do filme, percebemos que Demme dedica-se mais a explorar o estranho fascínio que o casal protagonista possui um pelo outro. Enquanto Lecter possui olhos capazes de ler (e confundir) a alma de quem se aproxima, Clarice, com sua inexperiência, parece uma presa fácil demais para ele. No entanto, as virtudes da personagem chamam a atenção de Lecter estabelecendo um jogo sedutor de atração e repulsa entre os dois. O filme torna-se ainda mais interessante conforme a relação entre os dois se intensifica e algumas surpresas acontecem. Anthony Hopkins criou um ser tão arrepiante que foi considerado um dos melhores vilões do cinema. Aqui ele consegue fazer com que o personagem não caia no ridículo nem em seus momentos mais grotescos. Já Jodie (renascida das cinzas com o Oscar por Acusados/1988 e celebrada por sua estreia na direção com Mentes que Brilham lançado no mesmo ano) está não menos magistral como a jovem agente que parece prestes a cair em tentação. No jogo instigante que se instala entre os dois personagens, repleto de dicotomias, o público perde o fôlego na atmosfera claustrofóbica criada pelo diretor. A atmosfera do filme inspirou produções como a série Arquivo X (1993-2002) e filmes celebrados como Sev7en (1995), mas nenhuma delas alcançou o surpreendente nível de perfeição do filme de Johnatan Demme (que fazia carreira dirigindo comédias até ali). Curioso imaginar que Hannibal já havia aparecido nos cinemas no pouco visto Caçador de Assassinos (1986) de Michael Mann (só que chamando-se Lektor e com a cara de Bryan Cox) que depois do sucesso e Hopkins ganhou uma refilmagem em 2002 (com o título de Dragão Vermelho). O filme ainda se consagrou como o único filme de terror a ser eleito o melhor filme no Oscar. Ainda hoje o filme que custou 19 milhões de dólares e arrecadou quase 300 milhões ao redor do mundo) é um exemplo de eficiência cinematográfica, pena que nenhuma das outras produções envolvendo seu universo tenha alcançado o mesmo resultado (mas é até uma covardia comparar).
Clarice: um anjo prestes a cair?
O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs/EUA-1991) de Jonathan Demme com Anthony Hopkins, Jodie Foster, Ted Levine, Scott Glenn, Chris Isaak e Diane Baker. ☻☻☻☻☻
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