sábado, 5 de abril de 2014

NªTV: Bates Motel x Hannibal

Freddie e Vera: Acertando desde o início. 

É interessante como duas produções inspiradas no passado de dois dos maiores psicopatas da história do cinema tenham chegado quase ao mesmo tempo na TV e, por consequência, têm a sempre complicada segunda temporada para mostrar se possuem fôlego para honrar os ícones que se imortalizaram no cinema. Entre Bates Motel (que explora a adolescência do célebre Norman Bates do clássico Psicose/1960) e Hannibal (que desbrava o passado do não menos famoso Doutor Lecter, famoso por sua inteligência, erudição e canibalismo). O curioso é que eu imaginava que em seu ano de estreia Bates Motel era o que tinha a tarefa mais complicada, afinal, está vinculada a uma das obras mais famosas de Alfred Hitchcock - que baseado na obra de Robert Bloch já tinha a sua cota de comparações e polêmicas a superar. A tarefa de Hannibal me parecia menos complicada, já que os fãs garantiriam a audiência e o dinamarquês Mads Mikkelsen já era por si só uma figura interessante para substituir a imagem criada por Anthony Hopkins. As séries trazem o passado dos personagens para os dias atuais e apresentam nuances interessantes quando já estavam com a psiquê indo ladeira abaixo. Bates Motel acabou agradando mais rápido com a atuação de Freddie Highmore (que já foi o  adorável moleque da versão de Tim Burton para A Fantástica Fábrica de Chocolate/2005 e hoje brinca com seu visual insosso), mostrando as duas faces de Norman. No entanto, enquanto Highmore tenta encontrar o tom do personagem e das mudanças que atravessa aos 16 anos - com seu contato com as meninas da escola, com a obsessão pela mãe e a presença de um irmão rebelde -, quem rouba a cena é Vera Famiga na pele de Norma Bates. Farmiga estava excepcional na primeira temporada (que lhe valeu indicação ao Emmy de Melhor atriz), fato que deve lhe conferir ainda mais destaque na segunda temporada. A atriz acerta na medida na construção da mulher vigorosa que assombrará Norman para sempre. Os criadores Carlton Cuse, Kerry Ehrin e Anthony Cipriano imprimiram uma narrativa pausada, lenta que revela aos poucos os personagens e a estranha influência que os segredos da cidade de White Pine Bay tem sobre a vida de Norman. Ao longo da temporada vimos o que o garoto tinha de sombrio e vulnerável, sendo que ao final da primeira temporada o comprometimento psicológico de Norman começa a aparecer, especialmente na cena final que marcou o nascimento de um monstro. A série utiliza muitos signos que estiveram presentes em Twin Peaks e conseguiu três milhões de espectadores em sua primeira temporada de dez episódios. Com a audiência que alcança pessoas de 18 aos 49 anos, a série espantou as suspeitas que pairavam depois do fracasso do remake de Gus Van Sant para o clássico de Hitchcock. A segunda temporada (que estreou nos EUA no dia 2 de março) mostra a obsessão de Norman com a morte de uma professora, o aumento dos conflitos entre os criminosos da cidade, além das novas tentativas de Noirma para salvar seu motel à beira da estrada (que está ameaçada pela construção de uma rodovia). Apesar das críticas favoráveis, a segunda temporada ainda não tem data para estrear no Brasil (a primeira foi exibida pelo Universal Chanel, enquanto nos EUA era exibida e produzida pelo canal A&E). 

Norman e Hannibal: aparentemente inofensivos. 

Enquanto as coisas já estreavam nos trilhos com Norman Bates, a história de Hannibal Lecter na TV foi mais complicada. Lecter ficou famoso no cinema com o espetacular O Silêncio dos Inocentes (1991) e depois apareceu em outras produções que apostavam justamente no oposto do filme de Johnatan Demme. Enquanto Demme investia em climas sutis e assustadores, os seguintes preferiram investir em tudo que o personagem evocava de grotesco. O fim do circo de horrores veio com a prequel fracassada Hannibal  - A Origem do Mal (2007) sobre a juventude (improvável) do personagem. Hollywood viu que acabara com a carreira de Lecter no cinema. Restava a televisão. O criador Bryan Fuller resolveu levar o personagem para um período pouco anterior ao seu livro de estreia (Dragão Vermelho de Thomas Harris), especificamente ao momento em que Hannibal conhece o investigador especial do FBI Will Graham. Nos cinemas o livro recebeu uma adaptação em que Edward Norton dava vida a Graham. Na telinha o personagem se tornou mais complexo e desafiador para Hugh Dancy, que recebe até mais destaque do que o personagem título. Will torna-se uma espécie de brinquedo psicológico de Hannibal Lecter, quando este ainda era colaborador do FBI. Dancy consegue dar conta dos tormentos de seu personagem - que se perde nas emoções dos assassinos que tenta compreender. Sua habilidade gera um colapso quando uma grava doença afeta seu cérebro. Apesar do destaque dado a Dancy, Mads tem a presença que já o consagrou como um dos melhores atores da Europa. Sua frieza em cena é magistral e sempre deixa claro que é ele que está no domínio dos personagens e das situações. Ainda que a série se aproprie de algumas ideias da finada série Dexter (2006-2013), Hannibal penou em sua primeira temporada por demorar para engrenar. Preocupava-se mais com as crueldades elaboradas na cena dos crimes do que com os personagens ricos que tinha em mãos. Sendo assim, somente próximo do final da temporada de treze episódios, tivemos a ideia da dimensão do nocivo relacionamento que havia entre os personagens. Sorte que na segunda temporada, com os personagens devidamente apresentados e com Will sendo suspeito de vários crimes, a série parece ter encontrado seu rumo. Os crimes grotescos permanecem (ok, entendo que muitos fãs do personagem curtem isso), mas a preocupação maior está no jogo que Lecter construiu e que em breve irá se virar contra ele. Criticado por não utilizar a trama de Dragão Vermelho, Fuller revelou que a trama será utilizada na terceira temporada da série e, confiante do sucesso, pensa até na quinta temporada em que Lecter finalmente conhecerá a agente Clarice Starling (imortalizada por Jodie Foster). Nada contra ambições e pretensões, mas no lugar dele eu continuaria de olhos bem abertos para deixar a segunda temporada tão boa quanto ela promete nos episódios que já foram ao ar pelo canal AXN aqui no Brasil. A série ficou na berlinda ao final de sua primeira temporada, já que a audiência não atingiu as expectativas da NBC, mas vários canais estavam interessados em dar prosseguimento à atração se a NBC desistisse da empreitada. Sorte que a NBC percebeu que a série estava encontrando o rumo. Podando os excessos carniceiros da estreia, Hannibal mostra que está entrando nos trilhos e não vejo a hora de Mads revelar o quão sórdido seu personagem é debaixo de toda a casca erudita que ostenta. 

Dancy (esq.) e Mads (dir.): encontrando o rumo. 

Bates Motel (2013-2014) de Carlton Cuse, Kerry Ehrin e Anthony Cipriano, com Vera Farmiga, Freddie Highmore, Max Thieriot e Olivia Cooke. ☻☻☻☻

Hannibal (2013-2014) de Bryan Fuller, com Mads Mikkelsen, Hugh Dancy, Caroline Dhavernas, Laurence Fishburne e Gillian Anderson. ☻☻☻

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