Kevin e Jessica: bons atores sobre um palco filmado.
Muitos irão considerar uma blasfêmea, mas não sou muito fã das produções que Al Pacino costuma dirigir. Até admito que sua estreia com Ricardo III - Um Ensaio (1996) foi interessante ao mostrar como uma montagem teatral em torno da peça de Shakespeare ganhava forma, mas ao assistir sua última empreitada atrás das câmeras o que era uma ousadia, passou a parecer uma espécie de covardia. Ao explorar uma montagem do texto Salomé de Oscar Wilde, ele faz exatamente a mesma coisa. Nada contra ele explorar o processo de criação do espetáculo no documentário (Wilde Salome) exibido em alguns festivais desde 2011, o problema maior foi ele gerar outro projeto em 2013, onde filma e exibe a peça em si sobre um palco (e os dois forma lançados juntos nos EUA, enquanto aqui um ou outro só aparecem em exibições especiais). Sendo assim, Salomé exibe justamente o que eu mais temia nos filmes anteriores: como diretor, Al Pacino tem medo de fazer filmes. Protegido pela estética teatral e a curiosidade do público em torno da dramaturgia, seus filmes geram interesse, mas no fundo, o que Pacino queria era fazer uma adaptação, mas sem a exposição de tentar gerar um trato cinematográfico ao texto clássico. A edição pode até enganar, mas o fato é que Salomé resulta num filme desengonçado demais, um misto de teatro filmado e cinema que em poucos momentos funciona. Os maiores méritos ficam por conta de Jessica Chastain, que encarna uma Salomé incandescente como só os maiores pesadelos de João Batista seria capaz de tecer. Nesse aspecto, sua imagem inusitada de uma palestina pálida e de cabelos vermelhos, chama a atenção para o fato de ser uma mulher incomum para os registros bíblicos - e por isso mesmo, tão tentadora à corte em que vivia. Neta de Herodes, o Grande, ela foi criada na corte de Jericó pelo tio Herodes Antipas (vivido por Al Pacino) e é conhecida por ser a responsável pela execução de João Batista (Kevin Anderson) - seria um SPOILER mesmo com a famigerada história da cabeça na bandeja? No texto, fica claro como João era incômodo para o poder local, principalmente por acusar a mãe da jovem Salomé, Herodias (Roxanne Hart), de adultério. Herodias odiava João e, junto à Antipas e Salomé, torna-se uma figura importante numa história sobre hipocrisia, pecado, vingança e ambição. Nem vou entrar nos méritos do texto de Wilde (que não poderia deixar de ser forte, provocador e excepcional), mas o trato do diretor deixa tudo um tanto engessado, que não colabora em nada para que seus maiores méritos sejam saboreados plenamente. Como peça pode até funcionar, mas numa tela torna-se chato e um tanto sem sentido em suas falas descritivas, cortes bruscos e atores que recitam o texto como se as pessoas da última fileira precisassem ouvir o que está acontecendo no palco. Adoraria que Pacino deixasse seus melindres de lado e investisse numa adaptação cinematográfica do texto e não na comodidade do teatro filmado, então ele não teria a necessidade de dizer que o filme parecer hermético demais aos incultos que não sabem apreciar arte elevada... quando na verdade ele tenta disfarçar seus temores em se tornar um cineasta mais interessante. Talvez assim suas obras atrás das câmeras pudessem ser descobertas pelo público que ainda o reconhece como um dos maiores atores em atividade.
Salomé (Salome/EUA-2013) de Al Pacino, com Al Pacino, Jessica Chastain, Kevin Anderson, Ralph Guzzo, Steve Roman e Roxanne Hart. ☻☻
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