A família de Audiard: refugiados do Sri Lanka.
Há algum tempo que as questões relacionadas à imigração entrou na pauta da política mundial, no entanto, atualmente, se tornou uma obrigação abordar o tema em discursos políticos que demonstram claramente para qual lado uma determinada política governamental irá desviar. Interessante que num mundo globalizado o discurso desenvolvimentista pregue a produção sem fronteiras de riquezas, mas empurra a pobreza deste mundo para debaixo do tapete. Problemas relacionados à imigração servem para mostrar que o mundo está abarrotado de desigualdades, violência, abuso de poder e não basta mudar o canal da TV para esquecer que a situação existe e persiste no século XXI - onde o diferente passa a ser visto como inimigo. Acredito que é nesse território de incompreensões que a arte ganha ainda mais importância, afinal, ela é capaz de nos conectar com personagens que o noticiário insiste em apresentar como estereótipos ou estatísticas. Em 2015 Jacques Audiard percebeu a urgência da temática e saiu com a Palma de Ouro do Festival de Cannes num ano disputadíssimo. Dheepan é o nome do protagonista (vivido por Jesuthasan Antonythasan), que na cena inicial está insatisfeito com suas tarefas nos conflitos no Sri Lanka. Ele acaba se disfarçando e tentando fugir do país, assim como Yalini (a ótima Kalieaswari Srinivasan), mulher que procura uma criança perdida no acampamento para dizer que é sua filha e assim conseguir visto para fugir para a Inglaterra - onde tentará uma nova vida ao lado da prima. No caminho de ambos irá aparecer a menina Illayaal (Claudine Vinasithamby) e rumo à França os três fingem ser uma família de imigrantes. O filme demora um pouco a engrenar ao apresentar os conflitos vividos entre os três, mas conforme a vida do trio se ajeita, o filme consegue encontrar seu ritmo e cresce em sua abordagem humanista ancorado nos personagens. Dheepan consegue emprego de zelador no conjunto habitacional em que reside, Illayaal aos poucos consegue se adaptar à escola e Yalini passa a ser cuidadora de um senhor que sofreu um AVC - e que tem um sobrinho que lidera o tráfico da região. Enquanto os imigrantes passam a assumir seus respectivos papéis no cotidiano familiar que se instaura, cresce ao redor deles a tensão entre os traficantes, reacendendo os medos do passado não muito distante. Não resta dúvida de que as intenções de Audiard são as mais nobres possíveis, mas ele termina a sessão deixando algumas pontas soltas (os conflitos de "mãe e filha" se resolvem subitamente, assim como uma figura do passado de Dheepan aparece sem muita funcionalidade na história), mas a tensão que se instaura perto do final nos faz esquecer de tudo isso. Embora seja menos exuberante que Ferrugem e Osso/2012 e O Profeta/2009 este Dheepan também ressalta as habilidades do cineasta no trabalho com atores, seu zelo com a montagem e a urgência na construção de laços para apaziguar angústias. Há de se destacar ainda o último ato hardcore demonstra que o diretor sabe trabalhar com contrastes de forma invejável - e ainda apresenta um final esperançoso sem parecer piegas.
Dheepan - O Refúgio (Dheepan / França - 2015) de Jacques Audiard com Jesuthasan Antonythasan, Kalieaswari Srinivasan, Claudine Vinasithamby e Vincent Rottiers. ☻☻☻☻
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