Mary, Elizabeth e Lota: triângulo amoroso.
Nascida em 1911, a americana Elizabeth Bishop é considerada uma das maiores escritoras da língua inglesa. No entanto, pode se dizer que seu período mais criativo ocorreu durante os anos em que morou no Brasil. Elizabeth enfrentava problemas com a depressão e o alcoolismo quando resolveu fazer uma longa viagem pela América Latina, no entanto, ao visitar a amiga Mary no Brasil - com a arquiteta Lota Macedo Soares acabou ficando mais tempo do que pensava. O motivo para que ela ficasse no Brasil foi a própria Lota, que desde 1951 a hospedou em sua casa em Petrópolis até que formassem um casal por vários anos. Essa história do grande amor que transformou para sempre a vida da escritora já havia rendido uma peça teatral de grande sucesso com Regina Braga em 2001 e 2011. Anos depois Amy Irving, a senhora Bruno Barreto estava muito interessada em viver a personagem no cinema, mas acabou perdendo o papel por conta da idade para a australiana Miranda Otto. O filme é de fato o papel mais importante e desafiador que Miranda já teve em mãos, ainda que tenha participado de dois filmes da trilogia Senhor dos Anéis (2002/2003), Miranda nunca conseguiu muito destaque como atriz na telona e aqui tem a oportunidade de mostrar que poderia dar conta de papéis complexos. Ainda que o roteiro seja apressado nas transições da personagem, Miranda realiza um bom trabalho, mas que não chega a impressionar por conta de sua concepção sempre discreta da escritora. Ainda assim é palpável como os anos em que viveu no Brasil a fez abandonar o peso que carregava sobre as costas e produzir suas obras mais famosas que lhe valeram vários prêmios - incluindo o renomado Pulitzer. Sorte que Bruno Barreto escolheu Glória Pires para dar vida à Lota, o vigor da atriz brasileira funciona como excelente contraponto à discrição de Bishop. Gloria está firme como uma rocha na pele da arquiteta (embora um tanto desconfortável quando o filme tenta gerar cenas picantes entre as duas atrizes), sendo bastante convincente como a mulher firme à frente do seu tempo. Obviamente que o filme não poderia deixar de explorar o período delicado em que as duas mantiveram seu romance, passando pela polêmica construção do Parque do Flamengo (o ambicioso projeto de Lota no governo Lacerda) e a perplexidade de Elizabeth diante do comportamento dos brasileiros diante do golpe que tomava o Brasil (e seu discurso no jantar é ironicamente atual para a situação de nosso país atualmente). Embora não tenham muita química, Miranda e Gloria tem bons momentos juntas tornando compreensível a influência que uma teve sobre a vida e a arte da outra. Outro destaque do filme é a desconhecida Tracy Middendorf que faz um excelente trabalho como Mary, a amiga que perde Lota para Bishop e que passa a sustentar uma curiosa relação com as duas, me atrevo a dizer que ela é a grande revelação do filme. A sensibilidade de Bruno Barreto durante o filme (que também está presente na fotografia, transição dos figurinos de Bishop e na reconstituição de época) compensa alguns poucos tropeços aqui e ali, mas a trajetória das personagens reais transforma Flores Raras num filme bastante interessante sobre mulheres que ousavam ser elas mesmas em meados do século XX.
Flores Raras (Brasil/2013) de Bruno Barreto com Miranda Otto, Glória Pires, Tracy Middendorf, Marcello Airoldi e Treat Williams. ☻☻☻☻
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