Trey e Krisha: ficção e realidade em drama surpreendente.
Depois de muito tempo afastada, Krisha (Krisha Fairchild) vai passar o dia de Ação de Graças na casa da irmã e reencontra toda a família. É visível o esforço da protagonista para soar agradável a todos os presentes. Sempre sorrindo, com traços de gratidão e olhar compreensivo, basta que fique sozinha para ela respirar aliviada por não ter que demonstrar felicidade o tempo todo. Quando está sozinha ela apela para suas pílulas, uma indefectível pomada para o dedo decepado e respira profundamente para enfrentar o olhar de todos novamente. O filme do estreante Trey Edward Shults poderia ser apenas mais um drama familiar sobre desajustes que o cinema indie americano cria às centenas todos os anos, mas pretende ser diferente. Em Krisha, todos se esforçam para que tudo saia perfeito, independente dos problemas que estão sufocados, mas quando tudo desandar todos voltarão as acusações para Krisha. Dos sobrinhos crescidos que se comportam feito imbecis, do filho (vivido pelo próprio diretor) que não consegue demonstrar qualquer afeição por ela, do cunhado que odeia a dezena de cachorros criados pela esposa e a mãe idosa que não faz a mínima ideia do que acontece ao seu redor, o filme constrói lentamente uma tensão que torna-se insuportável conforme se aproxima o desfecho - e a trilha sonora ajuda bastante a adicionar toneladas de pressão psicológica sobre a reunião familiar que presenciamos. Antes que seja revelado qual é o grande problema da personagem, o próprio espectador já está com o pé atrás com aquela família de sorrisos postiços e sentimentos ambíguos com relação à visitante que sente-se uma verdadeira estranha depois de tanto tempo afastada. Aos poucos sabemos um pouco mais da triste trajetória da personagem e como afetou a vida de todos ao seu redor. Sabemos que nada sairá bem. Mais notável do que o jeito de contar a história (com olhar firme, movimentos de câmera bem bolados e uma melancolia opressiva) é saber que Shults se inspirou num drama vivido em sua própria família para construir o roteiro (na vida real, a situação aconteceu com seu primo). Encarar um fantasma familiar já é um grande desafio, mas filmá-lo em nove dias na casa da família e com ajuda de parentes e amigos (a protagonista é tia do cineasta), em sua maioria não atores torna o resultado ainda mais notável. Talvez seja essa familiaridade que faça as dores dos personagens soarem bastante autênticas - o que lhe rendeu elogios no festival de Cannes2015 e o Prêmio John Cassavetes (para filmes de baixíssimo orçamento) no Independent Spirit Awards. A habilidade do diretor em extrair suspense deste drama familiar lhe rendeu a chance de fazer seu segundo longa metragem, o elogiado terror Ao Cair da Noite (2017) com Joel Edgerton e Christopher Abbott que deve colocar seu nome entre os nomes mais cobiçados em Hollywood neste ano.
Krisha (EUA-2015) de Trey Edward Shults com Krisha Fairchild, Bill Wise, Robyn Fairchild, Alex Dobrenko, Chris Doubek e Trey Edward Shults. ☻☻☻☻
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