Scheider: atuação irrepreensível num clássico de Bob Fosse.
Se antes eu já achava Nine (2009) um filme tolo e desnecessário (apesar do apetitoso elenco), depois que vi esse clássico de Bob Fosse eu considero o musical de Rob Marshall ainda pior. Primeiro porque se a ideia de Marshall era fazer um musical inspirado em Oito e Meio (1963) de Fellini , ele já estava feito há trinta anos quando Fosse brincou com seu imaginário criativo neste musical que está entre os melhores de todos os tempos. É verdade que é um dos mais originais por mostrar os bastidores da produção de um espetáculo musical enquanto desvenda as entranhas de seu criador. Embora fictício, Joe Gideon (Roy Scheider que me surpreendeu bastante com sua atuação genial que valeu uma indicação ao Oscar de ator) tem muito do próprio Fosse, ao encarnar várias de suas características gestuais em um papel que herdou seu perfeccionismo e lascívia. Fosse fez sucesso em sua transposição da Broadway para os cinemas porque sabia mesclar linguagens artísticas como ninguém, por isso, O Show Não Pode Parar é mais do que um musical, trata-se de uma obra de um diretor visionário (neste caso o adjetivo cabe perfeitamente, já que o cara vislumbrou a sua própria morte neste que é sua obra mais sombria). O roteiro acompanha o diretor Gideon enquanto prepara um novo espetáculo - o qual nem sabe muito bem o que vai fazer e há rumores que se trata apenas de um pedido de desculpas à ex-esposa, Kate (Ann Reiking) pela infidelidade constante. Entre a seleção do elenco, elaboração dos números musicais e preparação de um longa-metragem (no qual Gideon não leva a menor fé), conhecemos o interior da mente criativa deste artista - desde suas reflexões diante da morte (encarnada por Jessica Lange, num papel que soa misterioso podendo ser encarado como uma musa ou sua inspiração), ideias fervilhantes e casos que decepcionam sua namorada e filha, o conhecemos cada vez mais. Definitivamente quando resolveram ressuscitar os musicais, esqueceram de injetar-lhe a alma, já que All That Jazz é mais ousado e rico do que muito filme recém-lançado. Basta ver a indefectível cena em que passos de dança são realizados como se fosse uma luta entre Kate e Gideon, ou a graciosidade de uma coreografia que serve apenas de contraste para uma outra repleta de luxúria sob o título de "Air Rotica". Como se não bastasse ainda tem todos aqueles números imaginários enquanto Gideon agoniza após uma cirurgia cardíaca. Mas nem só de músicas e coreografias se faz o filme. A edição e o roteiro são brilhantes ao mesclar diversas imagens e diálogos de determinada cena dentro de um novo contexto (especialmente a utilização dos estágios da perda de Kubler-Ross: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação quando o protagonista percebe que a morte é inevitável). A narrativa entrelaça vários fios de seu personagem até o final apoteótico que é uma celebração à... morte? Pode soar irônico, bizarro e sombrio, no fim das contas, mas Fosse deixa claro que o importante é deixar um legado - e que através da arte aparece de forma ainda mais memorável. É arrepiante a cena em que Gideon desliza até encontrar com a personagem de Lange (desculpe repetir, mas a atuação de Scheider me impressionou muito, principalmente quando lembro de como foi subaproveitado na maioria de seus filmes seguintes). Fico imaginando o trabalho que deu para o filme ser realizado com sua linguagem inovadora e audaciosa, mesmo para a década de 1970 onde o cinema americano sofria sua guinada mais marcante. Embora muita gente considere os musicais como uma fuga da realidade, um gênero escapista e alienante, Fosse mostra neste filme ganhador da Palma de Ouro em Cannes, como ele pode ser profundo, reflexivo e extremamente existencialista. São elementos assim que fazem de Fosse um gênio e O Show Não Pode Parar algo bem distante de obras ocas de Rob Marshall.
O Show Não Pode Parar (All That Jazz/EUA-1979) de Bob Fosse com Roy Scheider, Jessica Lange, Ann Reiking, Leland Palmer e John Lithgow. ☻☻☻☻☻
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