Liza na pele de Sally: a vida é um cabaret.
Sempre acho que Bob Fosse ainda é menos lembrado do que deveria, o motivo pode ser o fato de ter ganho o Oscar de direção no mesmo ano em que Francis Ford Coppola concorria por O Poderoso Chefão (Coppola levou o Oscar de roteiro adaptado e levaria para casa a estatueta de diretor somente em 1975, pela continuação da saga). No ano em que o filme de Coppola garantiu as estatuetas de Melhor Filme, Roteiro Adaptado e Ator (para Marlon Brando), Fosse viu seu Cabaret levar oito prêmios. Pelo episódio, acredito que existe um certo ranço com a obra de Fosse no cinema. Famoso por sua carreira como dançarino e coreógrafo brilhante, Bob colecionou vários prêmios Tony no teatro e carregou sua ousadia para o cinema em 1969 (com Sweet Charity estrelado por Shirley MacLaine) e a aprofundou com Cabaret - que é considerado por muitos o único grande musical da década de 1970 (talvez o único que chegue perto é All That Jazz/1979, também de Fosse). O motivo para isso é a forma como mescla seus números musicais inesquecíveis com a história, especialmente no desenho dos personagens que personificam alguns tipos que circulavam pela Berlin da década de 1930. Isso mesmo, o Cabaret de Fosse ganha vida tendo como pano de fundo a ascensão nazista na Alemanha. Portanto, torna-se ainda mais fascinante ver o que o diretor faz a partir do musical de John Kander e Fred Ebb baseado na peça de John Van druten (I'm a Camera) que era inspirado no livro Adeus a Berlim de Christopher Isherwood. Tantas referências são mescladas com perfeição entre as cenas de palco e as externas (que retratam o início das mudanças que alterariam para sempre a história mundial), nesse processo, as canções funcionam como a costura da narrativa. Assim, enquanto vemos a cantora Sally Bowles (Liza Minnelli no papel de sua vida) e Brian (Michael York) ajustando o romance em meio às dificuldades financeiras - e o assédio do milionário Maximilian (Helmut Griem), desfrutamos de canções devidamente apresentadas pelo sinistro Mestre de Cerimonias (vivido por Joel Grey, Oscar de ator coadjuvante) que ora disfarçam as angústias da Alemanha, ora as extrapola sobre o palco decadente do Kit Kat Klub (que reflete bastante a situação econômica do país que abraçaria Hitler e suas ideias), melhor exemplo disso é a arrepiante "If you could see her" que retrata o início da perseguição dos judeus no país. O cineasta filma os dilemas amorosos de seus personagens (que pode até chocar os mais puristas) e os números sobre o palco com o mesmo realismo, alcançando um resultado que ainda hoje impressiona - principalmente se ficarmos atento às mudanças que acontecem na plateia durante a passagem do tempo no filme (culminando no final onde o palco está mais bem iluminado e a plateia repleta de suásticas que aparecem distorcidas num espelho). Entre cinismos e alegorias, Fosse consegue um raro equilíbrio ao abordar o início do nazismo dentro de um musical, provocando alguns incômodos e angústias (especialmente no último número de Sally que parece esperançosa antes dos tambores incessantes) que não deixam de revelar a postura das pessoas comuns que fortaleceram a escalada de Hitler ao poder. O mais curioso é que sempre que vejo os filmes de Bob Fosse, penso em como a grande maioria dos musicais do século XXI me são insossos e desinteressantes, afinal, o que dizer de um gênero que vive dos filmes de Rob Marshall atualmente? O que falta em ousadia e alma no diretor de Nine (2009) tem de sobra, há mais de quarenta anos na obra de Fosse. Bob faz falta.
Cabaret (EUA-1972) de Bob Fosse com Liza Minnelli, Michael York, Helmut Griem e Joel Grey. ☻☻☻☻☻
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