The Humans: anatomia das relações familiares.
Quando chegou nos cinemas americanos o filme The Humans foi apontado como um dos indies favoritos para as premiações de fim de ano, celebravam até que teria chegado o grande momento de Richard Jenkins levar um Oscar para casa. No entanto, o filme passou em branco nas principais premiações do cinema, não por conta do boicote à produtora A24 (que investe pouco em marketing para continuar investindo em mais filmes interessantes), mas porque quando começava a batalha por indicações, o filme foi exibido pelo canal Showtime, o que sempre causa um impacto negativo nas campanhas para premiações - especialmente quando se fala de um filme independente sem grande apelo perante o grande público, sem explosões, perseguições e efeitos especiais. The Humans é um filme aparentemente simples sobre uma família que se reúne para o tradicional Dia de Ação de Graças, mas ao invés da lavagem de roupa suja ou humor depreciativo, o filme opta por ser um drama intimista em tom de suspense psicológico a partir de um recorte da vida daqueles sujeitos. A família se reúne no apartamento de Brigid (Beanie Feldstein) que acaba de se mudar com o companheiro, Richard (Steven Yeun) para o subúrbio de Manhattan e, por algum motivo que nem eles entendem, a mobília não chegou ainda. O apartamento é amplo e espaçoso, mas não consegue esconder o ar decadente, com as paredes mofadas, tinta desbotada, vidros gastos e ferrugem teimando em aparece. É neste espaço que chegam as visitas, o pai (Richard Jenkins), a mãe (Jayne Houdyshell), a irmã (Amy Schummer) e a vovó (June Squibb). Enquanto conversam e preparam o jantar, as preocupações dos personagens surgem, assim como histórias do passado, mágoas e ressentimentos, mas tudo de forma bastante contida e equilibrada, evitando o dramalhão ao mesmo tempo que começa a pesar a atmosfera daquele encontro. Existe o contraste do casal maduro com o peso da convivência ao longo de décadas com toda a expectativa do jovem casal e seus sonhos na vida que iniciam, além da ideia de como a velhice pode ser cruel e a solidão assustadora. O dramaturgo Stephen Karan estreia na direção com esta adaptação da peça assinada por ele mesmo e demonstra a sagacidade de não parecer teatro filmado, sabendo muito bem como usar os cortes, a fotografia, o cenário, as sombras, os planos abertos e fechados para evidenciar o que corrói os personagens. Cada um deles tem seus problemas, se o genro faz o possível para ser aceito pela família, Brigid passa por algo parecido ao querer provar que tem valor em sua própria caminhada a seguir. Enquanto isso, a irmã sofre com o rompimento com a namorada, a mãe tenta esconder uma acontecimento mágoa recente com o marido e... falando no marido, pode se dizer que Richard Jenkins tem o melhor momento do filme, aquela cena perto do final, sem diálogo e apenas desesperada por um homem assombrado por um pesadelo de culpa. Jenkins está ótimo em cena, como o homem comum que tentou conduzir a vida da melhor forma possível, mas não soube evitar alguns tropeços. No entanto, seria covardia dizer que o elenco não o acompanha de perto, todos estão bem (a única cena em que June Squibb fala é de aquecer o coração), além de Beanie e Amy darem conta de papéis bem mais dramáticos (e complexos) do que costumam escolher. The Humans pode deixar uma parte da plateia entediada, com a sensação de que nada acontece, mas basta um olhar atento para perceber os assuntos complicados que o filme aborda. Nesta construção cênica, os poucos móveis que chegaram, as paredes vazias e a sensação de isolamento (mesmo com a casa cheia) só ressaltam as qualidades do filme ao explorar a anatomia daquelas relações em menos de duas horas de duração. Pena que o filme não estreou nos cinemas brasileiros, mas sorte que foi lançado pela MUBI.
The Humans (EUA-2021) de Stephen Karan com Richard Jenkins, Beanie Feldstein, Steven Yeun, Jayne Houdyshell, Amy Schummer, June Squibb. ☻☻☻☻
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