Quando X chegou nos cinemas americanos, eu li e ouvi tantas críticas positivas que imaginei: será que é tudo isso mesmo? A desconfiança conteve bastante minhas expectativas, especialmente com base na premissa "da equipe que vai para uma fazenda isolada nos cafundós do interior americano e se envolvem num verdadeiro banho de sangue". De certa forma foi bastante positivo imaginar que o filme do diretor Tin West era uma slasher genérico que bebia diretamente no apelo sexual de jovens fogosos nos originais dos anos 1970. Misturar horror e pornografia é quase a base do gênero (basta lembrar de um dos comentários de Pânico/1996 que perder a virgindade num filme de terror é praticamente assinar a sentença de morte), portanto, utilizar uma equipe de filmes pornôs já era uma sacada bastante irônica. A diferença na percepção de tudo que X poderia ser está na sua produtora, a A24, que tem feito história no cinema indie do Tio Sam com lançamentos de peso e o catálogo mais interessante dos últimos tempos. Enquanto a maioria dos grandes estúdios dos EUA temem encontram dificuldade [sic] para bancar filmes originais, a A24 prova que ainda existe criatividade por lá - embora o Oscar faça vista grossa para tudo que o estúdio representa hoje. Sendo assim, ao assistir X (que por aqui recebeu o aposto "A Marca da Morte" por alguém que não faz a mínima ideia do que a letra do título significa perante a censura americana) o filme me surpreendeu positivamente por todas as camadas que insere numa história que poderia ser só mais um terror sanguinolento. A começar pela ambientação no ano de 1979 (o ano em que nasci e que marcava o final da década em que a contracultura e a liberação sexual alcançava seu auge antes do fantasma da AIDS pairar sobre a década seguinte) em contraste com o discurso conservador que assistia tudo aquilo com declarada insatisfação. No filme, o discurso da moral e os bons costumes está em um programa de televisão que sempre aparece em cena com um pastor pregando sobre a danação aos seus fieis fervorosos. Do outro lado está a equipe que chega na fazenda texana cheia de ideias para fazer um filme pornô com alguma pretensão artística (que era comum antes da chegada do home video e seus VHS). Na equipe estão o produtor Wayne (Martin Henderson), uma diva do gênero, Bobby-Lyne (Britany Snow), a novata com ambições de se tornar estrela mundial Maxine (Mia Goth), o astro Jackson (Scott Mescudi), a assistente de direção Lorraine (Jenna Ortega) e seu namorado diretor RJ (Owen Campbell). Todo mundo sabe o que vai acontecer com a equipe quando entra na sala de cinema, a diferença está na desenvoltura com que Tin West conduz o início da trama com bastante paciência, como se fosse um drama que deixa o suspense fermentando abaixo do que se vê. O entrosamento dos atores e a naturalidade com que encaram seu ofício lembram Boogie Nights (1997) de Paul Thomas Anderson e ajuda ao espectador se importar com cada um dos personagens. Se você acha o proprietário da fazenda estranho (Stephen Ure), espere até conhecer a esposa dele que parece ter vivido por anos numa catacumba nas fazendas do Texas. A senhorinha chamada Pearl explode de desejo por Maxine e o desequilíbrio se estabelece, fazendo com que a segunda parte do filme se inicie. Ela enxerga uma identificação com a jovem que, não por acaso é interpretada pela mesma atriz, a Mia Goth. Mia está ótima na pele de Maxine e está mais do que convincente na pele de Pearl, num trabalho duplo brilhante (digno de Oscar, se a Academia não tivesse preconceito com atrizes em filmes de terror). Vale destacar que Mia é neta da atriz brasileira Maria Gladys e tem chamado cada vez mais atenção em seus trabalhos, os olhos expressivos acompanhados de sobrancelhas quase inexistentes tornam sua imagem ainda mais interessante na tela de cinema. Quando o banho de sangue começa, sabemos que o desfecho terá aquele duelo final e ainda guarda uma surpresa. Muita gente ressalta no filme a hipocrisia do discurso conservador, que projeta no outro um desejo sufocado é seu, mas penso que existe um outro aspecto que deixa o filme ainda mais rico. O fantasma do envelhecimento e do corpo que se deteriora e "afeta" o prazer. Existem vários diálogos no filme sobre a impossibilidade de satisfazer desejos sexuais devido à idade, também existem pontos sobre a imagem que começa a se alterar com o tempo e o fato de Pearl e Maxine serem interpretadas pela mesma atriz reforça ainda mais esta ideia. Uma projeta seu horror na outra e deixa tudo mais interessante. Em X (que vem do selo X-Rated destinada aos filmes pornôs) os desejos reprimidos e o tempo, que cria uma contagem regressiva para satisfazê-los são os grandes vilões da história. Esta ideia é tão boa que o filme já tem uma sequência em produção: Pearl (em pessoa).
X - A Marca da Morte (X - EUA / 2022) de Tin West com Mia Goth, Martins Henderson, Britany Snow, Jenna Ortega, Scott Mescuddi, Owen Campbell e Stephen Ure. ☻☻☻☻
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