domingo, 28 de agosto de 2022

KLÁSSIQO: O Espelho

 
Margarita: a vida como um reflexo.  

Existe um certo consenso de que O Espelho é o filme mais difícil do cultuado cineasta russo Andrei Tarkovsky. Eu poderia dizer que este foi o motivo para eu demorar tanto para comentar sobre ele, mas, de alguma forma, a dificuldade de encontrar uma versão legendada do filme deve estar relacionada à fama que precede a obra. Adepto de filmes com narrativas em que se mistura tempos, sonhos, fantasias e longos silêncios, neste longa o diretor insere também situações autobiográficas. O resultado lembra muito as comparações que sempre ouvidas entre o cinema de Tarkovsky e o de Ingmar Bergman, especialmente pelo mergulho psicológico no personagem principal. Por isso mesmo, fica mais interessante notar que o protagonista não aparece na fase adulta, na maioria das vezes o que ouvimos é sua voz narrando ou dialogando como se a câmera fossem seus olhos e a forma como enxerga o mundo. Nesta particularidade, ele enxerga a esposa com a mesma aparência de sua mãe, embora as duas sejam de épocas distintas e temperamentos diferentes. Freud explica. Da mesma forma, existe um propósito de confundir (ou desafiar?) o espectador sobre o passado e o presente do personagem, seja pelo uso da mesma atriz, o uso de preto e branco, cenas jornalísticas, enfim, em O Espelho tudo se reflete e projeta no que está em cena. As mulheres, as crianças, os filhos, a afetividade... não satisfeito com isso, o diretor ainda espalha vários espelhos pelo cenário, além de criar algumas cenas fantasmagóricas habitando a mente do narrador chamado Aleksei. Filmado em cores, sépia e preto e branco, o filme busca a reprodução do fluxo de consciência do personagem, embaralhando fatos, lembranças e delírios de forma nada linear mais pela intenção de provocar o espectador do que ter início meio e fim. O quarto longa-metragem do diretor para o cinema (curiosamente entre dois filmes de ficção científica, Solaris/1972 e Stalker/1979 que me despertam sensações opostas) soa para alguns como uma obra-prima, para outros, o exercício mais hermético e cerebral de um cineasta brilhante que aqui parece ter desejado se tornar indecifrável (não que isso seja um problema). No entanto, mesmo composto por diversas camadas, ao chegar ao seu desfecho, o filme deixa a sensação de que olhar o passado é como ver a vida refletida no espelho do título (e tudo fica ainda mais bonito se lembrarmos que o que vemos no espelho é apenas a luz refletida). 

O Espelho (Zerkalo/ União Soviética - 1975) de Andrei Tarkovsky com Margarita Terekhova, Oleg Yankovskiy, Filipp Yankovskiy, Ignat Daniltsev, Nikolay Grinko, Alla Demidova e Yuriy Nazarov. ☻☻☻

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