Lance e Viggo: uma relação complicada.
Embora Hollywood tenha tentado fazer dele um galã, Viggo Mortensen sempre quis ser mais do que um rosto (e corpo) bonito na tela grande. Por conta disso, foi deixando cada vez mais as superproduções de lado e investindo em filmes mais modestos, independentes, mas que lhe permitisse personagens variados. Quem achava que ele seguiria o caminho dos épicos bilionários como a trilogia Senhor dos Anéis (2001) quebrou a cara, afinal, ele prefere manter a parceria com o estranho David Cronenberg a enveredar por blockbusters. Por conta disso ele já foi indicado ao Oscar depois de lutar peladão em uma sauna em Senhores do Crime/2007, por ser um pai que se afasta da sociedade para criar seus seis filhos após o falecimento da esposa em Capitão Fantástico/2016 ou um motorista que reavalia seu racismo no controverso Green Book/2018. No entanto, Viggo ainda quer mais e escreve, atua e dirige este Ainda há Tempo, filme que marca sua estreia na direção. Parece que Viggo queria escalar outro ator para ser protagonista, mas percebeu que sua figura na tela atrai mais investidores do que ele imaginava (e abriu mão do salário de ator para tocar o projeto). O filme conta a história de John (Mortensen) que precisa lidar com o pai, Willis (Lance Henriksen) que começa a apresentar os primeiros sinais de demência e precisa de cuidados especiais. Desde o início, John é um poço de paciência, aguentando o temperamento difícil do pai, agora ainda mais agravado por seu estado mental. Sr. Willis faz questão de demonstrar seu desconforto com a homossexualidade do filho a cada instante, sempre disposto a discorrer um insulto atrás do outro ao filho. Porém, a situação não é muito melhor quando sua filha (Laura Linney) e os netos chegam para visitar, as grosserias prosseguem num ritmo que pode cansar o espectador, mas que dá a exata medida da dificuldade que é conviver com aquela pessoa tão desagradável. Esta sensação é ainda mais ampliada pelos flashbacks, que demonstram que a vida em família nunca foi fácil, com algumas frases incômodas ditas desde a hora em que um bebê chega na casa ("desculpe te trazer para este mundo para morrer") e evolui para diálogos escatológicos com a filha de John e seu parceiro, Eric (Terry Chen). Como ator, Viggo está muito bem em cena (ainda que seus trejeitos manuais por vezes pareça mais de um mafioso, mas funciona bem em contraste com a personalidade contida do personagem), mas é Lance Henriksen que assusta com toda a fúria, rancor e ódio que seu personagem transborda. É a dinâmica entre os dois que sustenta o filme, mas seria injustiça não destacar o trabalho do sueco Sverrir Gudnason (que também estava ótimo em Borg Vs McEnroe/2017) bastante convincente como o jovem Will que não consegue se conectar com a família. O filme demora a engrenar - especialmente pela temática e narrativa bastante batida -, mas quando o filme chega em sua meia hora final, a qualidade cresce de forma surpreendente. Viggo demonstra sensibilidade atrás das câmeras e torna-se um diretor que eu gostaria de ver sua evolução em trabalhos futuros.
Ainda há Tempo (Falling / Reino Unido - Canadá - EUA / 2020) de Viggo Mortensen, Lance Henriksen, Sverrir Gudnason, Terry Chen, Hannah Gross, Laura Linney e Henry Mortensen. ☻☻☻
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