Quando conhecemos Sandra (Natália Molina) ela já parece um tanto acostumada com o desaparecimento da mãe. Existe aquela sensação estranha que a mãe já fez isso outras vezes e, na expectativa dela retornar algum dia, as horas foram passando, se acumulando e ela foi se dando conta de que ela nunca ficou tanto tempo longe. Sem receber notícias, a ausência começa a pesar por conta de situações que dependiam de sua responsável para resolver. Sandra começa a sofrer ameaças de despejo pelo aluguel atrasado, tem luz e água cortadas, o que a deixa cada vez mais arredia e até agressiva na escola. O pai não se preocupa com o que está acontecendo, já que separado há algum tempo das duas, já está um tanto saturado do comportamento da ex-mulher, mas nada que justifique a total negligência com relação à sua filha. Sem ter para quem recorrer, Sandra começa a realizar pequenos furtos na vizinhança (inclusive de baldes de água para tomar banho), até que cruza o caminho de seu meio-irmão, Jorge (Diego Avelino) com quem parece ter convivido durante algum período da infância, antes que ele optasse por viver com o pai (Francisco Andrade). Jorge e o pai são bem próximos, mas o rapaz ainda tem dificuldades para assumir a atração que sente por um amigo tatuador (Dico Oliveira) - e um incidente problemático deixará a situação ainda mais delicada entre os dois. Quando se reencontram a relação entre Sandra e Jorge não é das melhores, os dois cresceram e se afastaram, existem traços de ressentimentos, ciúme e até rancores por conta de uma relação que ao invés de se sustentar ao longo do tempo, só intensificou a distância. O filme de Eliane Coster parte da ideia do abandono parental para entrelaçar uma interessante rede de relações entre seus personagens, contrastando a ausência da mãe com a presença atenciosa do pai de Jorge, o afeto aparece aqui e ali em relações um tanto cruas (e por vezes violentas), mas surge de forma bastante impactante em cenas como os meio irmãos no necrotério ou na cena de sexo sem firulas em que a câmera não desvia da nudez masculina. O cenário da periferia paulistana funciona bem como abrigo aos personagens, mas o roteiro cria para si um problema ao ampliar sua rede de personagens e situações sem desenvolver todas plenamente (e por vezes eu pensei se acabou o dinheiro e o filme ficou pronto com o que deu para fazer), porém o filme se beneficia muito das atuações de seu elenco desconhecido que imprime muita sinceridade nas cena, além de utilizar um humor discreto que se encaixa com perfeição na narrativa. Ainda que não alcance todos os pontos que propõe, Meio Irmão pode ser visto como um filme surpreendente perante o que apresenta.
Meio Irmão (Brasil - 2020) de Eliane Coster com Natália Molina, Diego Avelino, Francisco Gomes, Dico Oliveira e André Andrade. ☻☻☻☻
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