Natalie e Julianne: brilhantes em estranha dinâmica. |
Desde que foi exibido pela primeira vez no Festival de Cannes do ano passado, May December se tornou um dos filmes mais comentados de 2023. Pena que conforme eram anunciados os indicados nas premiações de fim de ano o filme perdia fôlego quando as pessoas se davam conta da estranha história real em que se inspirava. O fato de filme ter chegado ao Oscar com apenas uma indicação ao prêmio de Roteiro Original é compreensível, mas imperdoável, já que o longa se tornou um dos filmes mais inquietantes dos últimos tempos, além de contar com três atuações memoráveis em seu elenco. Escrito pela estreante Samy Burch ao lado de Alex Mechanik, a trama é inspirada na história que assombrou o imaginário de muita gente ao final dos anos 1990: uma professora de 36 anos que manteve relações sexuais com um aluno de 13. O crime fez a glória dos tabloides que receberam capítulos surpresa quando ela estava grávida na prisão e, tempos depois, os dois acabaram se casando. O filme dirigido por Todd Haynes não se concentra nos fatos escandalosos dessa história, mas prefere focar no impacto desses acontecimentos a longo prazo na vida dos envolvidos. Aqui trata-se de uma mulher que trabalhava em uma pet shop que se envolve com um menino contratado para auxiliar nos trabalhos. A diferença de idade é a mesma e a repercussão da história se repete. O tempo passa e tudo parece mais calmo, com os filhos crescidos e uma vida pacata em uma ilha, Gracie (Julianne Moore) e Joe (Charles Melton) terão que lidar com a presença de uma atriz, Elizabeth (Natalie Portman), que pretende estudar a história de ambos para atuar em um filme sobre a história dos dois. É visível o desconforto do casal com a presença da atriz, mas ele se torna ainda maior quando os dois precisam olhar para o passado. Enquanto Gracie deixa claro que não se arrepende e não gosta de pensar no passado, Joe tenta seguir pelo mesmo caminho enquanto surge como uma espécie de irmão mais velho dos três filhos enquanto recebe ordens da esposa para cumprir seus afazeres. Existe uma dinâmica estranha entre os personagens, que ganha contornos ainda mais desconfortáveis com a trilha sonora exagerada e o temperamento over de Gracie para expressar uma eterna fragilidade. Julianne Moore está perfeita como uma mulher que aparenta não ser capaz de ter feito o que fez, mas que também não parece ser o que pensam que ela é. Ela expressa bem o que o filme tem de melhor: as entrelinhas. A maior parte da trama ocorre por baixo do jogo de aparências que é apresentado, até mesmo com relação ao interesse de Elizabeth pelo casal. Falando nisso, a personagem de Portman tem alguns momentos que embaçam seus princípios e se torna tão complexa quanto a personagem que pretende interpretar. Natalie e Julianne estabelecem uma dinâmica interessantíssima, em que uma captura os trejeitos da outra na tentativa de absorver sua identidade. O resultado gera cenas arrepiantes, tão arrepiantes como quando percebemos que somente agora Joe se dá conta que uma parte de sua vida foi devorada pelo seu envolvimento com Gracie. Todd Haynes prima mais uma vez pela elegância para apresentar uma história em que tudo está no lugar para soar como uma grande simulação de sentimentos e sensações. Batizado por aqui de Segredos de um Escândalo, o filme merecia ver seu trio de artistas entre os indicados ao Oscar, mas ao final da narrativa, o desconforto deve ter sido forte demais para os votantes. Aparentemente simples, May December (um trocadilho utilizado para falar de relações entre pessoas de faixas etárias muito diferentes) é um filme que merece ser visto várias vezes para perceber todas as nuances perigosas que apresenta. Comprado pela Netflix (embora não tenha entrado no catalogo do streaming até hoje), o filme merecia uma campanha mais potente para as indicações, mas acabou perdendo espaço para o xaroposo Maestro de Bradley Cooper.
Segredos de um Escândalo (May December / EUA - 2023) de Todd Haynes com Natalie Portman, Julianne Moore, Charles Melton, Cory Michael Smith, Gabriel Chung e Andrea Frankle. ☻☻☻☻
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