Sandra Hüller e Swan Arlaud: entre a verdade e o sensacionalismo. |
Enquanto nutria minha vontade gigante de assistir Anatomia de Uma Queda, realizei uma retrospectiva dos filmes anteriores de Justine Triet. Antes de ser premiada com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, a cineasta francesa havia realizado outros três longa metragens, todos também escritos por ela e seu esposo, Arthur Harari (ambos premiados com pelo último Oscar de roteiro original de Anatomia de uma Queda). O mais interessante é perceber que vistos em ordem cronológica, seus filmes revelam pontos em que uma produção revela um ponto de inspiração para seu sucessor, no entanto, nada realizado anteriormente pela diretora se compara ao brilhantismo que ela exibe aqui, seja na escrita ou no controle da narrativa. O mais interessante é que o filme nasce de uma ideia fixa na filmografia de Trier: casais em crise. Se em Na Cama com Vitória (2016) a relação do casal acaba parando nos tribunais, aqui, o que está em julgamento parece ser o próprio casamento dos personagens. O filme conta a história de uma escritora, Sandra (a excelente atriz alemã Sandra Hüller, indicada ao Oscar pelo papel) que vive afastada com esposo (Samuel Theis), filho (Milo Machado-Graner) e cachorro (Messi, um achado) nos alpes franceses da cidade em que o seu esposo nasceu. Quando o filme começa, ela tenta ser entrevistada enquanto marido coloca uma música altíssima para embalar a reforma do sótão. A entrevista é interrompida. O filho vai passear com o cachorro e ao voltar, ele se depara com pai morto sob a neve. Sandra escuta os gritos do filho e o que aparentemente era um acidente chega aos tribunais com a suspeita de que Sandra pode ser responsável pela morte do esposo. A partir daí, momentos bastante pessoais daquela casal começam a ser destrinchados e impostos para justificar um assassinato ou a tentativa de um suicídio. Aspectos pessoais da vida de Sandra (sua sexualidade, nacionalidade, profissão e obra) começam a impulsionar narrativas que questionam cada vez mais a sua inocência, num labirinto de versões e inferências sobre fatos que por vezes nem mesmo o espectador sabe mais o que pensar. Anatomia de uma Queda se torna assim um verdadeiro estudo sobre a construção da verdade, da difícil tarefa de chegar ao que de fato aconteceu quanto uma série de informações são apresentadas e manipuladas para chegar a um objetivo: a inocência ou a condenação de Sandra. Justine Triet conduz o filme com maestria ancorada por um roteiro excepcional e uma montagem esperta (também indicada ao Oscar), que sempre revela o necessário para manter a interrogação na mente do espectador. O filme é uma verdadeira aula de como manter o interesse do espectador com base nos diálogos encadeados e, por vezes, confrontados ao longo de duas horas e meia de narrativa. Anatomia de Uma Queda se constrói como quebra-cabeça, mas no fim não saberemos se todas as peças estão no lugar certo, especialmente depois do testemunho final deixado na interpretação do prodígio Milo Machado-Graner. É um daqueles filmes que faz você pensar por muito tempo e pode até se tornar uma referência para os surrados filmes de tribunal. O filme, que concorreu a cinco Oscars, incluindo o de Melhor Filme já está disponível no Prime Video.
Anatomia de Uma Queda (França / 2023) de Justine Triet com Sandra Hüller, Milo Machado-Graner, Swann Arlaud, Samuel Theis, Antoine Reinartz e Anne Rotger. ☻☻☻☻☻
Nenhum comentário:
Postar um comentário