Tropa de Elite 2 com todas as suas qualidades é um exemplo de um gênero que se consolidou na década passada em nosso cinema brasileiro. Filmes de estética crua, um verniz de crítica social e qualidade técnica irretocável ao contar histórias violentas. Nem sempre a fórmula funciona (basta ver a carreira pífia de 400 contra 1 no ano passado ou o fracasso de Salve Geral) e em outras torna-se algo diluído (Meu Nome não é Johny, Federal e Assalto ao Banco Central). A seguir destaco cinco filmes que se tornaram clássicos do gênero e sucessos de maior ou menor escala deste tipo específico de cinema brasileiro.
05 Carandiru (2003) é a única trama paulista deste Combo. O filme de Hector Babenco pode não ser nenhuma Brastemp, mas chegou a concorrer à Palma de Ouro em Cannes, disputou vaga no Oscar e ainda se tornou um sucesso de bilheteria maior do que o badalado Cidade de Deus. Inspirado no livro de Dráuzio Varela o maior problema do filme foi tentar equilibrar diversas histórias de prisioneiros da famosa casa de detenção em mais de duas horas de filme. Neste ponto cabe pensar como o cinema sai perdendo com relação à noção de tempo a que se dedica à uma obra. O livro Estação Carandiru pode ser esmiuçado numa leitura por meses, mas o filmes tem que ter duração mais curta e nisso alguns aspectos importantes se perdem. Um deles é a própria postura do médico narrador que no longa torna-se passiva diante do que vê e a outra é o sensacionalismo piegas com que algumas coisas são mostradas. Ainda assim o filme trás personagens inusitados para o nosso cinema, como Peixeira (Milhem Cortaz), Zico (Wagner Moura) o boa praça Sem Chance (Gero Camilo) e sua noiva Lady Di (Rodrigo Santoro) em meio ao massacre que se aproxima.
04 Madame Satã (2002) Menos sobre prisioneiros, bandidos de facções criminosas e policiais corruptos, o filme de Karim Aïnouz é sobre a sensação de inadequação que caracteriza algumas pessoas como marginais - que em sua concepção mais pura constitui-se de um sujeito que vive à margem dos padrões sociais - o que não impede de que sejam figuras culturalmente riquíssimas. Madame Satã é um filme sobre João Francisco dos Santos, negro, homossexual, pobre, presidiário, pai amoroso de sete filhos, malandro e performer da Lapa carioca que estabelecia uma sexualidade híbrida em suas performances. Madame apresenta-se na noite boemia, lutando por respeito com golpes de capoeira e se metendo em algumas confusões. Esteticamente irretocável o filme conta com uma atuação avassaladora de Lázaro Ramos e de um elenco formado por Marcélia Cartaxo e Flávio Bauraqui, como integrantes de uma família incomum de desassitidos. Em cores em tom de vermelho e preto, Aïnouz conta uma história que flerta o tempo todo com o que há de real e de mito na construção deste personagem da noite carioca.
03 Tropa de Elite (2007) Já disse antes que não sou muito fã do filme de José Padilha, mas é impossível não perceber como o filme mostra um viés diferente para o gênero em questão. Não trata de bandidos ou figuras da noite, trata de policiais. Mas não são policiais quaisquer, trata-se dos mais preparados da tropa carioca, o BOPE, uma tropa que faz juz ao título do filme. Quem viu o documentário Notícias de uma Guerra Particular (1999) vai identificar muita coisa deste filme e não é por acaso. Baseado no livro A Elite da Tropa (escrito por Rodrigo Pimentel, um dos entrevistados mais notórios do obrigatório documentário) o filme aborda os bastidores da visita do Papa ao Rio de Janeiro no ano de 1997, para isso conta a preparação dos integrante do BOPE e alguns aspectos pouco lisonjeiros da polícia carioca. Entre cenas cruas, trêmulas e predominantemente violentas, nasce um dos maiores (se não for o maior) herói do cinema brasileiro: Capitão Nascimento (Wagner Moura). Acusado de fascista na Europa, o Festival de Berlim não estava nem aí quando enxergou os méritos do filme que esgarçava a ferida e lhe entregou o Urso de Ouro em Berlim.
02 Cidade de Deus (2002) Eu sei que tem gente que vai me apedrejar por não ter posto Cidade de Deus no topo da lista, mas não quero dizer com isso que o filme não seja tudo o que todos já disseram. Fernando Meirelles mostrou que o cinema brasileiro tinha condições de construir um blockbuster mundial e com qualidades técnicas nunca antes vistas num mesmo filme. A inovação estética foi tão gritante que o Oscar se rendeu a ele lhe dando quatro indicações: fotografia, roteiro adaptado, direção e edição - abrindo portas para todos os indicados no cinema mundial. A saga do menino que sonha em ser fotógrafo (Alexandre Rodrigues) que tem o destino cruzado com o temido traficante Zé Pequeno (Leandro Firmino da Hora) é repleto de cenas assustadoras e críticas sociais (as melhores estão na construção da própria Cidade de Deus, um lugar afastado do mundo para não incomodar a elite carioca) mostra a chegada do tráfico e do armamento pesado no subúrbio carioca. Meirelles prefere não julgar seus personagens e não tem medo de assumir o humor cruel do livro de Paulo Lins. O resultado é o que muitos consideram o melhor filme da retomada do cinema nacional.
1 Quase Dois Irmãos (2004) Acho que é o menos visto dos cinco filmes e talvez até o menos premiado, mas existe algo que me fascina cada vez mais neste filme de Lucia Murat. Dizem que Paulo Lins sentiu falta de alguns elementos ao ver Cidade de Deus e resolveu aprofundar um pouco mais algumas questões, o resultado é um dos filmes mais esclarecedores e bem escritos de nosso cinema - que aborda, modestamente, trinta anos de nossa história nacional. O filme aborda a amizade de dois homens, um branco e intelectual (Caco Ciocler) e um negro acusado de furto (Flávio Bauraqui). Os dois se conhecem desde a infância, mas se reencontram no presídio da Ilha Grande durante a Ditadura Militar na década de 1950. A relação entre os dois irá criar desdobramentos inimagináveis para a história de nosso país. Somente lá pelo final que nos damos conta do que assistimos durante a sessão: a criação de uma das maiores facções criminosas do país. Bem escrito, ousado e nada modesto, o filme conta ainda com atuações inspiradas de Maria Flor, Werner Schünemann, Antônio Pompeo e Marieta Severo. O filme pode não ser modernoso como os outros, mas sabe extamente como contar a sua história, ou melhor, a nossa história carioca.
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