Denzel: lutando contra os excessos.
Pode parecer arrogância, mas existem alguns filmes que se o roteiro tivesse caído em minhas mãos eu teria garantido alguns cortes que fariam total diferença no resultado final. Talvez por ter ficado anos metido em projetos de animação megalomaníacos, Robert Zemeckis não tenha se dado conta de que alguns detalhes puxariam seu novo filme de carne e osso para baixo. Obviamente que ter um nome de peso como Denzel Washington no alto dos créditos ajuda a encher-se de segurança, mas uma atuação indicada ao Oscar não é tudo, não mesmo. Voo padece de um defeito recorrente nos filmes mais ambiciosos de Hollywood de hoje: deixar tudo explicadinho para a plateia (afinal ela não tem competência de entender o que uma imagem está mostrando). Sendo assim, precisa que Nadine Velazquez esfregue a nudez na câmera, enquanto Denzel (com cara e voz de ressaca) fala ao telefone antes de cheirar uma carreira e sair da cama. Parece demais? Essa é a construção da primeira cena que já deixa claro que Whip Whitaker (Denzel) não tem uma vida muito regrada - e que o diretor conduzirá a trama com mão pesada. Para dar um toque mais romântico inventaram uma "alma gêmea" para o protagonista, uma viciada (Kelly Reilly) que não tem muito o que fazer em cena e que está sobrando desde a primeira cena (é o tipo de personagem que inventam num roteiro quase que por exigência dos produtores). Acho que o texto original tinha apenas aquela cena em que a personagem conhece Whip no hospital - e daí inventaram de anabolizar a personagem. Ela é tão desnecessária que nem tem uma cena final ao lado do protagonista, ficando restrita à uma foto. A garota começa mal e do nada se regenera para poder ajudar o seu par rumo à salvação. Mas isso só acontece depois que o piloto Whip Whitaker salva um voo condenado à tragédia. Essa é a verdadeira história do filme: um homem de hábitos condenáveis que salva mais de uma centena de pessoas com sua eficiência em pilotar um avião. Vale ressaltar que a cena do acidente é feita num capricho que valeria o filme inteiro se o mesmo não começasse a desviar o foco até os limites da plateia. Não basta o conflito de Whip tendo que lidar com o exame toxicológico que acusou alto índice de álcool e uso de cocaína em seu sangue. É preciso mais do que a intriga da companhia aérea e o fabricante do avião que não querem se responsabilizar pelos problemas mecânicos, assim como o sentimento de perda de Whip por ter perdido a namorada (Velazquez) no tal voo. Essa tríade do roteiro já daria conta do recado, mas inventaram o escandaloso encontro de Whip com a ex-mulher e o filho (que o detesta e no final tem um daqueles momentos piegas que entram para a história da cafonice cinematográfica), o romance forçado com a ex-viciada e inúmeras cenas que ilustra o quanto o cara adora uma birita. Precisava disso? Afinal, sempre que a tensão da investigação cria o clima que o público necessita, existe um momento brega que joga tudo no chão. Isso acontece até depois do clímax em que Whip cansa de mentir para si e em seguida existe um anticlímax que dá vontade de rir. As ideias do ator roteirista John Gatins são ótimas, mas está na cara que um bando de gente deu palpite (não creditado) na trama construída pelo moço. Sorte que em meio ao desastre (sem trocadilho) o dilema da investigação permanece intacto e é isso que merece atenção da plateia. Em DVD temos a vantagem de avançar as cenas que estão sobrando e ver que o filme é o mais interessante estrelado por Denzel em muito tempo. Indicado a vários prêmios pelo papel, o ator engoliu suas restrições com cenas de nudez e aparece fora de forma, transpirando a decadência que o personagem sugere. Pena que com mais de duas horas, existia a necessidade de uma lipoaspiração para deixar o retorno de Robert Zemeckis tão brilhante quando seus filmes mais celebrados.
Voo (Flight/EUA-2012) de Robert Zemeckis com Denzel Washington, Mary Reilly, Don Cheadle, John Goodman e Bruce Greenwood. ☻☻
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