Hilbert e Ali: sensibilidade em meio à agressividade.
Contar três fases da vida de um
personagem não é novidade no cinema, no entanto, o que acontece em Moonlight é
algo realmente raro. O roteiro não se preocupa em criar uma narrativa de causa
e efeito, ação e reação, os três recortes começam e terminam de forma quase
independente, deixando lacunas para que o espectador preencha enquanto assiste.
O filme conta três momentos na construção da identidade do protagonista. Quando
pequeno (vivido por Alex Hilbert), ele vive um relacionamento complicado com a
mãe viciada em crack (Naomie Harris, ótima) e um mundo que o rejeita sem que
ele saiba exatamente o motivo. Torna-se palpável toda a solidão do menino até ele
cruzar o caminho de Juan (Mahershala Ali, perfeito), um traficante local que
praticamente o adota de coração aberto. É na casa de Juan e esposa (Janelle
Monáe a cantora que virou atriz em 2016) que o pequeno Chiron encontrará um
pouco de conforto emocional, ao ponto de ser para Juan que o menino irá expor
seus primeiros questionamentos sobre a sexualidade. Este aspecto da
personalidade de Chiron será mais explorado quando ele se tornar adolescente
(agora na pele de Ashton Sanders) e sentir-se mais próximo do amigo Kevin
(Jharrel Jerome) – o que renderá uma das cenas mais tristes do roteiro. Não por
acaso, Chiron irá seguir o exemplo do seu mentor (não por acaso o filme começa
com uma cena de Juan e não de Chiron, como se desenhasse um verdadeiro ciclo) e
criar uma persona que servirá para se proteger da hostilidade que sempre
sofreu, mas... a chance de reencontrar Kevin (André Holland em mais uma atuação
marcante) pode fazer com que Chiron finalmente consiga lidar com suas emoções
mais particulares. Moonlight é um
filme realmente diferente, que lida com temas difíceis com uma leveza difícil
de encontrar. Não é fácil contrastar o tempo inteiro dicotomias bem como
hostilidade/afeto, violência/sensibilidade, agressividade/fragilidade com o
equilíbrio que vemos aqui. O resultado é o filme mais diferente entre todos os
nove concorrentes ao Oscar de Melhor Filme deste ano. Lembrado em oito
categorias (e arrisco que se não levar nada, leva o de ator coadjuvante ou o de
roteiro adaptado do teatro), o filme de Barry Jenkins nos brinda com doses
cavalares de sensibilidade. Sua narrativa foge do óbvio e nunca resulta
apelativa ou gratuita, numa espécie de poesia visual onde o espectador preenche
os significados. Embora Mahershala Ali e Naomie Harris estejam no páreo por
suas atuações (ambas merecidíssimas, basta ver a cena do duelo entre os dois
personagens: é de arrepiar), senti falta de Trevante Rhodes – que interpreta
Chiron adulto – nas premiações. Rhodes tem o porte de uma fortaleza, mas com
poucos gestos e olhares, consegue expressar plenamente a alma do menino que
vimos no início do filme, principalmente quando precisa acertar suas contas com
duas pessoas de sua conturbada trajetória em busca de si mesmo.
Rhodes: ausência sentida nas premiações.
Moonlight – Sob a Luz do Luar
(EUA-2016) de Barry Jenkins com Mahershala Ali, Naomie Harris, Trevante Rhodes,
André Holland, Ashton Sanders, Alex Hilbert, Janelle Monáe, Jharrel Jerome e Patrick Decile ☻☻☻☻☻
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